Ouvir Marcos Boschetti, CEO e um dos fundadores da Nelogica, uma investech com quase 16 anos de trajetória, equivale a uma injeção de ânimo. A empresa, que oferece assinatura mensal de cotações de bolsa no Brasil e no mundo em tempo real, cresce a velocidade chinesa. Dobra de tamanho a cada ano, contrata de 15 a 20 pessoas ao mês, sem jamais ter recebido aportes de terceiros. Assediada por interessados, foi avaliada em R$ 1 bilhão, portanto é um unicórnio virtual. Na 21ª edição do Fórum Respostas Capitais, realizada nesta quarta-feira (26) na sede do Grupo RBS, Boschetti avisou que a Nelogica vai começar operações nos Estados Unidos ainda neste ano. E "se der tempo", também na Europa.
A Nelogica vai se internacionalizar?
Sim, neste ano mesmo a gente começa com a operação nos Estados Unidos e, se der tempo, na Europa. Vamos manter o desenvolvimento de tecnologia no Estado, mas essas operações vão atender aos mercados locais. Então, vamos abrir canal para pessoas e empresas que têm interesse em operar nas bolsas americanas e europeias. E também para americanos, europeus, asiáticos. Vamos procurar replicar o modelo que deu tão certo no Brasil e na América Latina.
O que faz a Nelogica?
A gente cuida de tudo relacionado a negociação eletrônica de ações. Desde o provimento de informações, dados em tempo real das bolsas, notícias, até o que chamo de "molho secreto", ferramentas de análise que ajudam a tomar decisão, a gerenciar melhor os riscos e a execução efetiva das decisões, que é quando viram ordem no mercado. Temos dezenas de milhares de clientes, normalmente mais ativos no mercado, que utilizam nossos serviços para tomar decisões. Também tem unidade corporativa, que cuida de tudo. Por exemplo, um banco ou uma corretora quer dar uma experiência de operação móvel, com apps para os clientes, cuidamos de servidores, infraestrutura, softwares de negociação, risco. Só tem de assinar o contrato e utilizar. No segmento de tecnologia de renda variável, somos a maior da América Latina. Processamos um valor altíssimo das bolsas. Se excluir um banco que faz muita operação de alta frequência, no mercado de futuros deve passar por nós muito perto de 50% do volume, é uma responsabilidade e uma honra muito grandes trazer esse impacto para o mercado brasileiro.
Mesmo com a internacionalização, a operação segue em Porto Alegre?
Exatamente. A gente faz um exercício e pensa: vamos precisar de mil pessoas e 800 vão trabalhar em tecnologia. A gente enxerga 95% dessas pessoas aqui. Temos acesso a um capital humano riquíssimo, as universidades são excelentes, e a estratégia é manter sempre o centro de pesquisa e desenvolvimento em Porto Alegre.
A contratação segue entre 15 e 20 pessoas ao mês?
Se batessem na nossa porta agora cem pessoas que atendam nossos critérios de cultura, princípios e valores, que passem nos testes, a gente daria um jeito de colocar as cem para dentro, nem que seja demolindo nossas salas de reunião.
MARCOS BOSCHETTI
CEO e um dos fundadores da Nelogica
Temos mais demandas de projetos, de iniciativas, do que mãos para executá-los. É um problema bom, mas é um problema. Quando a gente escala nessa velocidade, todo o crescimento é como um motor, uma explosão controlada. Então, precisamos desses talentos para dar vazão a esses projetos. Na Nelogica, a gente faz muito e tem de refazer o que está funcionando, porque tudo muda muito rapidamente. Se batessem na nossa porta agora cem pessoas que atendam nossos critérios de cultura, princípios e valores, que passem nos testes, a gente daria um jeito de colocar as cem para dentro, nem que seja demolindo nossas salas de reunião (risos).
A empresa se mudou para uma nova sede e já ocupa uma área de coworking. Vai se mudar?
O cerne da evolução é o fluxo livre de ideias. Alguns dos melhores produtos que colocamos no mercado surgiram de conversas quase de corredor. Então, ter essas colisões acidentais no café entre os times é algo que queremos retomar. Aumenta a necessidade de gerenciamento não estando no mesmo lugar. Já estamos procurando algum lugar em que, no máximo, a distância seja um elevador e não algumas quadras. Hoje estamos perto de 170 pessoas e devemos romper as 200 em três ou quatro, meses.
É fato que sua ligação com seu sócio, Fabiano Kerber, começou no maternal?
Temos uma foto literalmente fazendo um trabalhinho de colagem. Conheci Fabiano com três anos de idade e, desde então, a gente fez tudo de maneira premeditada. Aos sete anos, abrimos a primeira empresa. A gente recortava imagens de revistas, colava em papel contato e vendia adesivos. A mesma estrutura acabou se formando, ele fazia e eu tentava vender. Esse primeiro empreendimento não deu muito certo. Acho que houve descasamento grande entre o preço que cobrávamos e o valor de mercado. A gente fez computação já pensando que queria empreender, abrir um negócio. Fabiano me falou: "A gente não tem dinheiro, vai ser mais fácil abrir um negócio, precisa ter capital baixo, e se fizer software, precisa basicamente de computador e do nosso cérebro". Pensei: "É um bom argumento, a gente já fez computação pensando em empreender". E estamos aí, nessa parceria desde os três anos.
O que mudou desde o início da Nelogica, há quase 16 anos?
O que não mudou, e a gente não quer mudar, são valores e crenças fundamentais. Fazer uma gestão baseada em dados, desde o início a gente foi muito fiel que os dados e informações contam o caminho
MARCOS BOSCHETTI
CEO e um dos fundadores da Nelogica
Mudou absolutamente tudo, interna e externamente. Quando a gente começou, acesso a capital era algo lendário, a gente ouvia falar que existia mas nunca tinha visto. O dinheiro a gente sempre tentou, tentamos fazer uma captação baixa, um seed money (segunda camada de investimento em startups, depois do anjo), recebemos 30, 40 nãos. Colocamos toda a economia que tínhamos como engenheiros de software, bolsas de mestrado, estágio. Havia seis meses para fazer o negócio se tornar sustentável, então era uma pressão evolutiva muito grande. Hoje, tudo é mais rápido, consigo ter exposição maior usando a internet. O mundo mudou, é muito mais rápido hoje. Lembro de importar livros físicos, demorava dois meses para chegar um livro dos EUA, era uma festa quando chegava. O que não mudou, é que a gente trocou de pele 500 vezes. Fui desenvolvedor, suporte, office-boy, comercial, financeiro. Hoje ainda mais, a cada trimestre a quantidade de competências que a gente precisa muda.
O que ainda falta para fortalecer o ecossistema?
A principal mudança é de atitude. Empreendedorismo é fundamental, mas não é para todos, tem muita gente que é excelente intraempreendedor dentro das empresas. Mas a mentalidade de protagonismo, de ir e fazer acontecer, apesar das dificuldades, gerou uma massa crítica. Com essa base, as coisas acontecem dentro das empresas, no setor público, na sociedade. É uma das razões pelas quais sou otimista em relação ao Brasil, e muito otimista, em especial, com o Estado. Demorou um pouco, mas a cada evento que vou, penso: "Isso não acontecia há cinco anos". Agora, é óbvio que precisamos de políticas públicas melhores, de simplificação, de segurança. Há uma série de questões que ajudam a fomentar essas iniciativas mas o principal é essa mentalidade de protagonista.
Como não é sempre que se fala em otimismo com o Brasil e Rio Grande do Sul, o que mais o sustenta?
Vamos resolver o que a gente pode resolver, o que está sob nosso controle
MARCOS BOSCHETTI
CEO e um dos fundadores da Nelogica
Quando a gente se propõe a fazer algo, a gente dá um jeito. Tenho visto empresas no setor agropecuário e na indústria repensando "ok, a situação não é ideal, não controlo o crescimento da economia, não controlo o dólar. O que a gente controla? O que a gente faz". Como ganho produtividade mesmo com Custo Brasil alto? Como inovo para perceber esse problema de maneira diferente? Isso rompe qualquer fronteira, qualquer barreira. Na semana passada, conversava sobre as dificuldades, em particular do Estado, distância de mercado. E me disseram: "Não tem problema, se vi que o problema é distância dos eixos de decisão, coloco duas pessoas em São Paulo e continuo tocando". É um pouco o que a gente faz, vou continuar tocando o núcleo do negócio aqui. Vamos resolver o que a gente pode resolver, o que está sob nosso controle. Estou otimista. Apesar de que a gente vem revisando a taxa de crescimento de 2019 para baixo desde o início do ano e a taxa de desemprego continua no patamar de 14%, mas um pouco é como aquele time de futebol, que está jogando bem, mas o resultado ainda não está vindo. Se insistir, se for consistente, não tem como não vir.
(Pergunta de Marcelo Rech, vice-presidente editorial do Grupo RBS)
A que você atribui esse crescimento exponencial da Nelogica?
Em relação ao ambiente macro, é a primeira vez que está em situação de taxa de juro razoavelmente consistente com um dígito, então tem um pouco de vento nas costas (favorável). Mas o principal é que a gente testa muito. Testa modelo de negócio, produto, e se estruturou para fazer isso cada vez mais rápido. A gente em média faz um upgrade por semana dos serviços, enquanto que a média do mercado do Brasil é um ou dois ao ano. Então, a gente consegue quase uma pesquisa em tempo real do que funciona e do que não funciona. A gente conseguiu montar uma máquina escalável que faz esses testes baseada em dados de maneira muito rápida. A velocidade é um dos motores para modelo de negócio e de produtos.
O que dá segurança da qualidade da mão de obra no Estado?
A gente tem um processo extremamente científico de recrutamento, em que avalia principalmente três pilares: habilidade cognitiva, experiência profissional e adaptação cultural. A gente dá mais peso para habilidade cognitiva, a capacidade da pessoa de resolver problemas e o fit cultural. Então, acaba tendo muita gente de universidades que não tem experiência, então dá oportunidade para mostrar o que são. Se estão conectadas com o valor de estar aprendendo sempre, de evoluir sempre, de buscar ser o melhor do mundo no que faz, não importa o desafio. Essas pessoas estão conseguindo dar conta, se desenvolver, crescer. Temos excelentes universidades e muitas pessoas que, se a gente desafiar, entregam. E não é só Porto Alegre, no interior encontra-se material riquíssimo, Santa Maria, Pelotas, Rio Grande. Estamos desafiando dizendo o seguinte: "Vamos mostrar que aqui a gente consegue resolver problemas de classe mundial, que temos pessoas de classe mundial". Quando estão em um ambiente que acreditam que é possível, os astros vão se alinhando, às vezes, acreditar é a base de tudo. Essas pessoas inteligentes, essas pessoas conectadas com o que a gente acredita, elas conseguem entregar valor, elas conseguem mostrar para que vieram. Quando a gente escala, normalmente muda de ambiente competitivo, passa a competir com empresas maiores, que têm acesso a recursos diferentes, recursos mais sofisticados, a executivos mais sofisticados. O desenvolvimento das lideranças é fator crítico de sucesso. A gente tem entregado desafios para essas pessoas e elas têm trazido resultados. Então, por extrapolação, a gente entende que temos uma mina de ouro de talento aqui. A gente trabalha com dados aplicados a pessoas, então sabe o que espera das pessoas na entrevista, consegue confrontar com o desempenho seis meses depois, cria essas correlações estatísticas para ajudar as pessoas a se desenvolver. A gente consegue ajudar os gestores a entrevistar melhor e a entender as pessoas, muito baseado nesses testes, nesses dados. Até agora, a gente só tem se surpreendido positivamente com o que tem encontrado aqui.
Qual o perfil dessas pessoas?
O time de tecnologia em geral são pessoas formadas em ciências da computação e engenharia da computação, alguns já com algum tempo de mercado, mas há vagas para pessoas que estão ainda na faculdade. A gente faz um teste de capacitação técnica em raciocínio lógico, linguagem de programação — seja onde ela estiver no Brasil —, que utiliza as mesmas ferramentas de Amazon e Facebook. Passando nessa fase, faz um teste com nossos gestores. E do outro lado tem o pessoal de negócios, marketing, administração, economia, que é a sustentação de desenvolvimento de negócios, de produção de conteúdo, de redes sociais, de relacionamento de mercado. E de novo, o mais importante nem é a experiência e a formação, é sim a capacidade de resolver problemas, de se adaptar a um cenário que muda quase que diariamente, e estar bem conectado com nossas crenças e valores.
Um dos fatores que explica o crescimento da Nelogica foi ter investido durante a crise?
Quando tem uma crise, é normal as empresas se esconderem um pouco. É óbvio que é necessário ter responsabilidade, cada um sabe sua situação de caixa. A gente não parou de procurar as pessoas certas, nosso investimento é muito no time, de melhora da infraestrutura tecnológica e de ambiente de trabalho. Continuamos investindo mesmo quando nos chamavam de loucos. Quando os juros baixaram, quando deu uma ameaçada de retomada, a gente estava melhor estruturado que outros players. Só que a gente aprendeu uma lição nesse período, que a hora de investir é sempre, claro, mas todo o investimento tem que ter uma tese por trás.
De onde vêm os recursos para investir?
A gente aprendeu lá atrás a não depender de recursos externos, a regular os investimentos de acordo com as possibilidades. A gente fez um planejamento e sempre teve uma disciplina de caixa muito grande. Então, é capital próprio que financia nosso crescimento, apesar de um momento que existe muita liquidez no mercado. Mas, talvez por ter sido forjado a ferro e fogo lá no início, a gente sempre soube gerar caixa.
Nunca houve busca de recursos ou aportes externos?
A gente recebe hoje propostas toda semana, e muito tentadoras, mas se vier a fazer algum tipo de negócio, vai ser muito mais estratégico do que por recursos. Se lá atrás não tivesse conseguido recursos, mas um ou dois mentores, pessoas que tivessem tido experiência de nos conduzir por caminhos mapeados ou para não ter cometido erros que acabou cometendo, isso teria tido um valor muito maior do que o capital em si. Então, hoje, como uma empresa que se acostumou a ter disciplina de caixa, uma movimentação dessas tem que ser o seguinte: "Olha, eu enxergo aqui um parceiro com visão que comunga da nossa visão de crescimento, comunga dos nossos valores e que consegue acelerar nossa curva". Talvez, nesse momento, o recurso seja algo secundário, do que realmente acesso a conhecimento, a cada vez mais experiências, pois nós somos eternos aprendizes de fato, não só da boca para fora.
O que vocês aprenderam com os erros?
Cometemos uma série de erros todos os meses e, se a gente continuar gerindo dessa maneira, que é a correta para nós, vai continuar assim. A única questão é que vai aprender e descontinuar aquilo. Cometemos erros de produtos, por exemplo, lançamos produtos de mobilidade antes do mercado estar pronto, em uma época pré-smartphone. Não funcionou. A gente seguiu linhas de negócios confiando na previsão séria de analistas em relação a crescimentos da bolsa, de número de investidores. Aprendemos a falhar um pouco mais rápido, testar e virou um pouco a nossa maneira de fazer negócio.
A bolsa vai manter os cem mil pontos?
Acho que sim. A reforma da Previdência está um pouco precificada, mas não totalmente. Sem uma surpresa externa, sem contaminação externa, havendo a aprovação da reforma sem muita desidratação, os cem mil pontos devem ser o piso, não o teto.
Qual sua dica para fintechs em crescimento?
O principal é não queimar etapas, as coisas têm de ter relação de causa e efeito. Vejo muitas ideias boas, mas um descasamento com a realidade. Então, não dá para queimar etapas no sentindo que existe uma ordem lógica das coisas. Primeiro, tem um processo de validação de produto. Depois, como levá-lo ao mercado. O grande problema é que é muito fácil botar culpa em falta de acesso a capital — esse é um problema, de fato — mas, às vezes, são ótimas ideias, mas não estão amarradas da maneira apropriada. A pessoa não tem conhecimento, não tem experiência e não tem, às vezes, competências complementares dentro da empresa para fazer aquilo de fato virar um negócio. Comecei a Nelogica quando tinha 22 anos, hoje tenho 39 anos, e é normal nessa idade (22) a gente não valorizar a experiência. Quando de fato é algo essencial. Se a gente for ver a idade dos fundadores de base tecnológica nos Estados Unidos, é mais próxima de 40 do que de 20. Então, o pessoal queima etapas, tem boas ideias, mas não sabe transformar em serviço, porque tem uma sequência de passos que tem de ser dado, e a ideia por si só necessariamente tem valor.
Como a Nelogica pode ajudar no fortalecimento desse ecossistema?
Primeiro, isso aqui é fundamental, isso tem que ser conversado, discutido, a comunidade tem de se encontrar. A Nelogica hoje participa ativamente de alguns grupos, a Endeavor é um deles, no qual a gente conta nosso caso, a gente é aberta ao que funcionou e o que não funcionou, a gente procura compartilhar um pouco das nossas lições. Então, eu sou empreendedor Endeavor, tenho acesso a mentes sensacionais sobre diversos problemas. Vou dar um exemplo: fiz um treinamento, porque a gente tá explorando uma linha de crescimento inorgânico via aquisições, e voltei de lá com uma base teórica sensacional. Chegando ao Brasil, pensei: "Vamos conversar com quem de fato passou por isso". Eu tinha três alvos, conversei com algumas pessoas que estão acostumadas a fazer isso no meio e desisti dos três. Essa troca é fundamental, eu sou mentor de algumas empresas, sou investidor de outras, a gente tá sempre aberto a receber outras empresas. A gente está sempre compartilhando nosso case nesse sentido, porque uma conversa muda a história de uma empresa, um café bem tomado muda a cabeça de um empreendedor. Então, primeiro passo é trazer isso à tona, é discutir isso, é aproximar as pessoas. Um fórum como este aqui e outros que estão acontecendo são fundamentais, e a troca de experiência entre empreendedores, estudantes e profissionais do mercado é o mix que a gente precisa para construir e tornar cada vez mais forte o ecossistema.
O que foi fundamental na tua formação?
Sou cientista da computação formado pela UFRGS e mestre em microeletrônica. Uma formação completamente técnica. Ao mesmo tempo, sempre fui apaixonado por criar coisas, por impactar, por mudar a realidade. Sempre soube que uma formação sólida era importante do ponto de vista técnico, mas sempre soube que não iria ficar ali nesse universo. Fiz um MBA em gestão, fiz diversas especializações em finanças, em cursos específicos. Hoje, eu procuro ler de dois a três livros por mês. A gente foi forjado em um ambiente de muita dificuldade, eu ia fazer o doutorado no Exterior, tinha uma proposta de emprego na Europa, era muito fácil seguir esse caminho, mas sabia que ia me realizar da mesma maneira, e Fabiano também. Ele era engenheiro na HP e recebia uma promoção a cada três meses, deixou isso para trás também. A gente entendeu que era tudo ou nada, se dedicar em tempo integral, a gente assumiu o risco. Existe um pouco de pretensão e flexibilidade, um pouco também porque fomos criados por famílias que não tinham como nos financiar. Eu lembro que durante o vestibular "ou eu passava na UFRGS ou eu passava na UFRGS". Não tinha muita escolha. A gente tinha que fazer funcionar sem ajuda e tendo uma formação técnica sólida. O que aconteceu depois foi que a gente descobriu que a gente fez um produto e agora a gente tem de vender esse produto, mas não tinha a mínima ideia de como vendia um produto. Fabiano sempre foi muito mais técnico, muito melhor desenvolvedor de software do que eu, e eu sempre gostei muito mais de conversar com pessoas. Então, foi natural eu assumir esse outro lado. Comecei a estudar como é que a gente vende esse produto, como eu mostro esse valor para o mercado, sem budget (orçamento) nenhum.
A gente foi forjado em um ambiente de muita dificuldade
MARCOS BOSCHETTI
CEO e um dos fundadores da Nelogica
Hoje tem nomes legais, inbound marketing (conjunto de estratégias de marketing que visam atrair e converter clientes) toda uma ciência por trás, a gente começou a escrevendo artigos explicando como funcionava a bolsa para as pessoas nos encontrarem. A gente fazia quase um spam mandando os e-mails na lista de discussão de e-mail, porque é era época pré-rede social. Então, a gente foi estudando. Só que não foi só estudando, foi indo na prática, as primeiras mil vendas de licenças foi eu que fiz ali no telefone, testando o que funcionava e o que não funcionava. E o mais legal é que eu acho que não tenho hoje as habilidades que talvez a gente vai precisar na próxima fase, nunca geri três operações internacionais ao mesmo tempo, tem uma série de coisas que a gente nunca fez. Então, o processo é esse, vamos estudar o inbound marketing, vamos estudar a teoria e conversar com quem já fez isso para abreviar a experiência, e esse é um processo contínuo. E a partir do momento que a gente entende que não tem todas as respostas em relação ao mercado, a gente consegue colocar as peças no lugar, e tem funcionado bem nesse sentido.
O que você falaria para um empreendedor que está começando sobre a importância de captar recursos externos?
O recurso tem de ser o meio e não o fim. As métricas têm de ser diferentes, o fim tem de ser o teu produto e o teu serviço resolvendo uma dor do mercado, impactando as pessoas, impactando a sociedade de maneira positiva. A gente vem, nos últimos anos, dobrando de tamanho, de receita, crescendo 100% ao ano, mas isso é só uma das métricas. O que a gente olha também é o NPS, uma medida de satisfação dos clientes, que para nós é uma métrica global fundamental. A gente olha o grau de melhoria dos nossos produtos e serviços.
O recurso tem que ser o meio e não o fim
MARCOS BOSCHETTI
CEO e um dos fundadores da Nelogica
Acho que existe uma certa miopia nesse sentido, realmente, eu vejo isso semanalmente: "Nossa, eu vou fazer uma captação e, por essa captação, o negócio deu certo". Não, a captação, trazer um parceiro a bordo tem de ser uma parte da jornada no qual você trouxe capital, mas também trouxe de preferência expertise para o negócio. Para, daí sim, seguir escalando, seguir melhorando, mas olhando sempre o problema. O sucesso é sempre resolver o problema de maneira sustentável, de maneira positiva, de maneira que impacta o mercado, os clientes, todos os stakeholders — um problema que a empresa se propôs a resolver. O foco tem de ser alterado para isso, para a visão e a missão da empresa, para o propósito da empresa. O capital é um meio, simplesmente um meio. É necessário, é o combustível, muitas vezes, mas não é a linha de chegada. Muitas vezes, é a linha de partida.