Nova diretora de refino e gás natural da Petrobras, Anelise Lara está visitando todas as instalações de sua área no Brasil, o que inclui as oito refinarias que a estatal decidiu privatizar. Nesta
quarta-feira (22), a visita foi à Refap, em Canoas. Conforme Anelise, o roteiro estava previsto desde o início do ano, quando assumiu o cargo. Mas é claro que, nas unidades que estão no programa de "desinvestimento", como a Petrobras chama, a conversa com os funcionários muda de tom. À coluna, a diretora informou que o edital que trará as condições da venda da Refap e de mais sete refinarias sai até o final de junho. O processo de venda só deve terminar até o início de 2021. Não haverá cláusulas de manutenção do quadro de pessoal – funcionários da Petrobras são demissíveis –, mas a estatal vai oferecer vagas em outras unidades de refino e até em diferentes áreas da empresa.
O que funcionários mais querem saber, às vésperas do início do processo de privatização?
As pessoas demonstram preocupação com a situação individual de cada uma, têm interesse sobre as motivações da venda, querem saber como o plano de reposicionamento estratégico foi montado. Discutimos bastante os números, a importância desse movimento para Petrobras. O cuidado que vamos ter com as pessoas, a segurança operacional.
Aqui na Refap, a reunião foi em um refeitório, cabe muita gente. Também visitamos a área e tivemos um encontro com o grupo gerencial.
Pretendemos lançar o edital para iniciar o processo no final de junho.
Foram definidos ritos e prazos da privatização
das refinarias?
O rito segue a sistemática de desinvestimentos da Petrobras e vale para todos os que estamos fazendo em todas as áreas. Pretendemos lançar o edital para iniciar o processo no final de junho. É um processo longo, passa por cinco portões de aprovação. Uma vez lançado o edital, as empresas que preenchem os critérios podem começar a concorrer. No primeiro momento, poucas informações são passadas para potenciais interessados. Depois de avaliar esses dados, fazem uma oferta não vinculante. As realmente interessadas entram em uma segunda fase de ofertas vinculantes. É um processo longo, porque tem um banco de dados com as informações de todos os ativos, com todos os contratos existentes, passivos que possam existir relacionados a esses ativos.
Como se define o vencedor?
Em um determinado dia e horário, são colocadas, em um sistema sigiloso e confidencial, todas as ofertas das empresas. Temos um grupo interno independente, bastante sênior, que trabalha na avaliação dos ativos. Quando as ofertas são abertas, são comparadas e, às vezes, mais de uma oferta fica dentro da faixa de valor considerada justa. Nesse caso, a maior oferta entra para negociar. Os compradores negociam cláusulas contratuais e detalhes.
Caso ocorra alguma mudança no contratos que possam impactar em preço, é colocado então um último bid (oportunidade para lance, como em um leilão) na rua para uma última oferta, que é só de preço. Os contratos são fechados e só vence o melhor preço.
Não queremos contaminar o mercado com valor mínimo porque a tendência é de as ofertas ficarem muito perto do menor valor.
Então não haverá um preço mínimo definido e conhecido?
A avaliação é mantida só para consumo interno, um grupo muito pequeno. Não queremos contaminar o mercado com valor mínimo porque a tendência é de as ofertas ficarem muito perto do menor valor. Quando o processo é muito competitivo, surgem ofertas muito acima do mínimo. É uma prática de mercado, embora a Petrobras seja mais regulamentada por ter supervisão de Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério Público, da Controladoria-Geral da União (CGU). Esse escrutínio dos órgãos de controle faz com que o nosso processo seja, em relação aos convencionais, mais sofisticado e demorado, até pela situação da Petrobras como empresa estatal.
Pode ser concluído ainda neste ano?
Não, sem a menor chance. Não temos como concluir uma venda dessa magnitude em um período tão curto. Podemos ter, até o final do ano, a identificação dos potenciais interessados que estão visitando as refinarias. É um processo que deve ir até o final de 2020, início de 2021.
No modelo de venda de 60%, havia empresas e atividades com as quais era difícil ter alinhamento estratégico, como trading companies puras. Estavam excluídas. Vendendo 100%, essa exclusão não se justifica.
Como cada unidade será vendida em separado, será possível reduzir a exigência de faturamento mínimo de US$ 5 bilhões, que limitava muito os potenciais compradores?
Acredito que sim, porque o capital necessário para cada refinaria vai ser menor. Havia uma exigência no passado de que a Petrobras ficaria forte na empresa. No modelo de venda de 60%, havia empresas e atividades com as quais era difícil ter alinhamento estratégico, como trading companies puras. Estavam excluídas do processo. Vendendo 100%, essa exclusão não se justifica. Amplia o leque de interessados.
Também deve reduzir críticas de troca de monopólio estatal por privado?
A Refap atende toda a Região Sul. Então, vai haver competição com a Repar (unidade em Araucária, no Paraná). Essa foi orientação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que editou uma resolução para a Petrobras, se for vender, tem de ser 100%, não pode ter participação, e de preferência vender para empresas diferentes em uma mesma região para promover essa maior competição. Acreditamos que isso vai ocorrer no Sul entre as duas, assim como no Nordeste, entre a Rlam e Rnest. Vai ocorrer uma dinâmica mais competitiva sim.
O alinhamento com preços de paridade internacional é o que garante retorno sobre o capital e garante a lucratividade da empresa para investir em áreas que dão retorno.
Agora há segurança de eventuais interessados sobre a política de preços, que prevê reajustes pela variação internacional, mas é questionada até no Planalto?
O alinhamento com preços de paridade internacional é o que garante retorno sobre o capital e garante a lucratividade da empresa para investir em áreas que dão retorno. É como soja e açúcar. Se você pratica preços internos abaixo da paridade, quem vende no mercado brasileiro vai preferir mandar para fora e eventualmente, vai haver falta daquele produto. Se o preço de soja no Brasil fosse muito mais alto do que lá fora, aumentaria o interesse das empresas de trazer soja para o Brasil, seriam deslocados os produtores internos. Existe um equilíbrio de forças, no caso do mercado de commodities, é global, não nacional. É importante manter esse equilíbrio.
Não há cláusula prevista de manutenção de pessoal?
Essa é uma das razões que nos motiva a ir nas refinarias, a preocupação com as pessoas. Há três pilares neste processo que prezamos muito, que são a segurança das pessoas, a continuidade operacional e o cuidado com pessoas. É agenda prioritária, a conversa é para trazer as informações mais transparentes e precisas possíveis para reconhecer o momento que as pessoas, em ativos que vão passar por de desinvestimento, têm sentimento de perda, o que é é natural. O que podemos fazer para diminuir essa sensação, essa preocupação que está na cabeça de todo mundo? Temos uma cesta de opções, que estão sendo avaliadas. Temos um programa de demissão voluntária, o PDV, válido para as pessoas que estão
em fase de se aposentar. Temos estimativa de números de pessoas que podem se inscrever, mas não sabemos quantas vão. Isso já vai significar uma mudança no número de pessoas que podem ser envolvidas. Vamos oferecer também possibilidade de realocação onde (a Petrobras) está efetivamente investindo, que são atividades de exploração e produção, refino em outras unidades, vamos ficar com as unidades de refino de São Paulo e Rio de Janeiro. Consideramos a possibilidade de os compradores quererem negociar novos contratos de trabalho com os profissionais dessas unidades. A Petrobras tem um corpo técnico de altíssimo nível, é claro que um potencial comprador terá interesse de manter boa parte da força de trabalho. Se a pessoa quiser efetivamente ficar na cidade e tiver vontade de ir para outro lugar, existe a possibilidade de uma demissão negociada. Cláusula de manutenção de quadro não existe. Se eu fosse um comprador, iria querer ficar todo mundo.