Diretor institucional da Mercer, consultoria global em Previdência, o gaúcho Antônio Gazzoni acompanha com preocupação o debate nacional sobre a reforma. Na sua avaliação, está excessivamente concentrado nos chamados "bodes" – BPC, aposentadoria rural – enquanto há outros riscos no texto. Embora considere "estranho" um liberal como Paulo Guedes falar em adotar o chamado sistema nocional (com "o"), como alternativa ou transição para o sistema de capitalização, avalia que é uma boa oportunidade para discutir o futuro do sistema previdenciário no Brasil.
Como funciona
"No sistema nocional, as contribuições feitas pelos empregados e empregadores não ficam em uma conta isolada, como no sistema complementar. Esses recursos são escriturados em nome do segurado, mas não ficam vinculados à conta, ficam no Tesouro. Alguns estudiosos consideram o nocional um sistema de repartição travestido. Ou seja, apesar de ter registrado em seu nome um direito, não são administrados individualmente. Outra diferença em relação à capitalização é que o dinheiro não fica vinculado à rentabilidade do ativo no mercado. É remunerado por uma cesta de ativos que costuma incluir crescimento – ou queda – no PIB, indicadores de longevidade da população e mix de investimentos, entre outros."
Quem adota
"Os países nórdicos são as principais referências. Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia adotam o sistema nocional, com diferenças entre um país e outro. Só é 100% puro na Suécia. Lá, funciona bem, onde os deputados dormem num beliche com outros colegas e lavam sua própria roupa. O Brasil tem outra cultura, assim como o Chile. Geralmente, Previdência em conta nocional não é a única camada. Talvez o modelo ideal fosse um benefício mínimo garantido, uma primeira camada compulsória, em que o empregador também participasse na formação da poupança do trabalhador, mas com um teto não tão amplo como o de hoje, no máximo de dois salários mínimos."
Função no Brasil
"Aqui, poderia aliviar as contas do governo e daria segurança mínima para os trabalhadores. A capitalização entraria em uma segunda camada, para além do benefício mínimo. Do ponto de vista do Estado brasileiro, a vantagem seria ajudar na transição entre o sistema puro de repartição e o de capitalização. Mas precisa de uma administração segregada do que existe hoje, do contrário só estaremos adiando o problemas para daqui a 40 anos. A grande questão é 'vai ter dinheiro?'. Para responder, é preciso ter seriedade e gestão. Não é um sistema ruim, mas é usado em países mais avançados, na maioria não isoladamente, como no Chile só existe capitalização. O mundo não é feito de extremos. Também é importante, no sistema nocional, quem vai fazer a gestão. Não pode ser um conselho como o do Fundo de Garantia, que tem 200 pessoas e ninguém decide nada. E não pode se misturar com contas de governo. Será preciso ter cuidados na implementação."
Desoneração
"Qualquer que seja o sistema, o trabalhador precisa de esforço contributivo também de seu empregador. No Chile, desonerar totalmente foi um dos grandes problemas. Agora estão consertando, o empregador terá de dar alguma contribuição. Vamos aprender com os erros chilenos. Outro foi ter baixa competição, o que elevou muito as taxas de administração e tirou a rentabilidade do beneficiário. Entre onerar em 22%, como é agora, e zero, é possível encontrar um meio termo. Adotar sistema de capitalização facultativa também não vai funcionar. Trata-se de engenharia comportamental. O jovem de hoje vai dizer que não quer poupar para a aposentadoria. Essa é uma questão que me preocupa como pessoa que trabalha no sistema de Previdência. O Congresso travou o avanço da reforma até que chegasse a proposta para os militares, mas ninguém travou até que chegasse a capitalização, que vai envolver nossos filhos e netos. É preciso chamar atenção para isso na discussão de mérito."
Educação
"No Brasil, será preciso acompanhar a reforma da Previdência de outras medidas, como educação financeira e previdenciária. É preciso fortalecer fortalecer o ensino nas escolas para trabalhar em sistema de capitalização. Se não educar a população, as pessoas não vão poupar."