Especialistas envolvidos há anos com tentativas de reforma da Previdência, não evitam apontar os chamados “bodes” na proposta levada quarta-feira à Câmara dos Deputados. Alguns desses itens foram incluídos já com a possibilidade calculada de serem derrubados. A identificação de pontos polêmicos e não essenciais pode ser uma aliada na votação dos pontos do projeto.
Além de proteções legítimas, interesses contrariados e até pressões de grupos atingidos, o debate parlamentar fatalmente incluirá tentativas da manipulação. Por isso, se os bodes verdadeiros estiverem identificados, diminui o poder de quem quiser fazer apenas barganha política.
Também há risco de inclusão de bodes tão evidentes quanto a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que hoje garante um salário mínimo para pessoas sem outra renda a partir de 65 anos. Ao incluir a faixa etária a partir de 60 anos e limitar o pagamento a R$ 400 mensais até 70 anos, o governo dá discurso para quem acusa a medida de perversa.
Associações de servidores públicos já se organizam para contestar na Justiça as alíquotas crescentes de contribuição à Previdência, descontadas dos salários, pelo fato de a máxima alcançar 22% em um caso muito excepcional, de salários acima de R$ 39 mil mensais, no limiar do teto do setor público. Técnicos que escrutinam o déficit da Previdência consideram o sistema escalonado, que eleva a contribuição percentual conforme o tamanho do salário uma medida justa. O motivo é que, quanto maiores os vencimentos do servidor, mais contribui para aprofundar o desequilíbrio.
No caso dos trabalhadores privados, a avaliação é diferente. A contribuição escalonada serve mais à sustentação do discurso “quem ganha menos paga menos, quem ganha mais paga mais”, que inspira o mote de corte de privilégios que o governo quis dar à proposta de reforma, do que a algum efetivo ganho de receita ou redução de despesa. Conhecer os detalhes da proposta, identificar o que é bode e o que é essência, é fundamental para avançar com uma reforma crucial para a estabilidade das contas públicas.