Com tom inusual em palestras públicas de presidentes do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse ontem, em Porto Alegre, que pretende simplificar o câmbio no Brasil. Seu objetivo de longo prazo é tornar o real uma moeda conversível de forma efetiva. Isso significa intenção de permitir transações comerciais internacionais completadas em reais.
O caminho é longo, mas Campos Neto afirmou que esse é um "norte" de sua gestão no BC, iniciada no final de fevereiro.
Ao falar na abertura oficial do 32º Fórum da Liberdade, durante um almoço cheio de empresários, o executivo afirmou que o governo Bolsonaro quer inverter uma
lógica antiga no Brasil:
– Os bancos viveram anos financiando o governo, só recentemente perceberam que também tinham clientes para atender. Queremos que o governo saia do mercado de dívida e haja um processo de substituição competitiva. Conforme um economista chileno, o Brasil é o país que busca soluções públicas para problemas privados. Agora, queremos soluções privadas para problemas públicos, com mais empreendedores e menos atravessadores.
Campos Neto também fez uma defesa enfática da autonomia do BC. Lembrou que a instituição foi pensada por seu avô, Roberto Campos, para ter independência formal a partir de 1964 – ano do golpe militar que instituiu a ditadura no Brasil –, mas só durou quatro semanas. Houve risos na plateia. Sustentou que a discussão sobre o tema está madura e afirmou que o projeto está avançando. No entanto, a proposta enviada no início do ano segue parada na Câmara dos Deputados.
Descontraído, ao ser perguntado sobre como encontrou o BC, Campos Neto brincou, dizendo que, no governo, costumam dizer que ele "pegou uma molezinha", ou seja, uma missão fácil. E admitiu:
– Com Ilan Goldfajn, o BC teve uma gestão muito, muito, muito boa. Então, considero que peguei uma molezinha, mesmo.
Sobre uma das missões que Ilan não conseguiu concluir, a redução do spread bancário (diferença entre a taxa que o cliente recebe quando aplica e a cobrada nos empréstimos), Campos Neto ponderou que os maiores problemas são a inadimplência e a dificuldade de recuperação de crédito:
– A inadimplência corresponde a 37% do volume do spread bancário, mesmo tendo caído a 2,9% em média. O problema é que a recuperação de crédito é de R$ 0,13 para cada real, sem correção pela inflação. Então, o principal problema, no Brasil, é que não se recupera crédito. Parte da solução é um sistema de recuperação que não seja judicial.
Empresários que ouviram a palestra aprovaram o conteúdo, mas fizeram ponderações:
– É positivo chamar o setor privado, mas para isso é preciso tirar as amarras que existem, caso contrário não é possível dar respostas satisfatórias – afirmou Cezar Müller, presidente em exercício da Fiergs.
– Ele tem uma visão conjuntural, precisamos discutir o contexto. Precisamos substituir o Estado interventor por um Estado moderno, mas não mudamos uma cultura centenária em poucos dias – ponderou Walter Lídio Nunes, vice-presidente da Associação Gaúcha das Empresas Florestais (Ageflor).
– Se avançarem as reformas e o ajuste fiscal, há mais possibilidade de surgirem boas ferramenta privadas – observou Daniel Randon, vice-presidente da Empresas Randon.
– Estamos experimentando um momento bem positivo para inciativa privada, essa oportunidade vai gerar um novo ciclo de investimento – projetou Maurício Harger,
diretor-geral da Celulose Riograndense.