Era bem conhecido o tamanho do desafio do governo Bolsonaro: trata-se de vencer a maior crise fiscal da história recente do país. As reformas necessárias teriam de ter aprovadas no primeiro ano, enquanto o capital político do presidente eleito estivesse intacto. Depois, crises habituais da gestão pública comprometeriam a capacidade de articulação. Passada quase metade dos cem dias – nesta terça-feira (19) se completam 50 da nova gestão –, o capital político está chamuscado. E a responsabilidade não é de uma oposição ferrenha, como se temia, mas do círculo mais próximo da Presidência.
Desde declarações inócuas, mas desastradas, de ministros da ala fundamentalista até a profunda ferida aberta pela fritura sem fim do então secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, o governo conseguiu autogerar todas as suas crises, sem ajuda de adversários. Não bastasse esse feito, isso tudo ocorre às vésperas do envio da reforma mais importante ao Congresso, a da Previdência. E como saída para o escândalo que envolve o partido escolhido para representar a situação, aparece a intenção de criação de uma nova sigla, enquanto se duvida da solidez do apoio no Congresso.
A crise teve a pior gestão possível, seja em manuais políticos ou corporativos. Bebianno foi confirmado no cargo, depois veio o comunicado de sua exoneração, confirmada no final da tarde. Houve forte desgaste no Congresso. O mercado financeiro tentou, até o limite, fazer de conta que não via o tamanho da encrenca. Nesta segunda, acabou registrando o impacto nos preços de ativos negociados no curto prazo. A bolsa fechou com queda de 1,04%, enquanto o dólar subiu 0,78%, para R$ 3,73.
A sucessão de tropeços forma um roteiro do que evitar antes da tramitação de uma reforma crucial. Embora, em tese, o governo tenha votos suficientes para aprovar a proposta, o desgaste pode fazer com que custe mais caro e tenha resultado mais modesto. Com a articulação ainda mais frágil do que já se desenhava, aumenta a capacidade de deputados e senadores “descascarem” a proposta, reduzindo idade mínima ou ampliando prazo de transição. Se a projeção de economia do ministro da Economia, Paulo Guedes, de R$ 1 trilhão em 10 anos, já era revisada por bancos para faixas de R$ 800 bilhões a R$ 500 bilhões, pode desinflar ainda mais.