Miguel Ribeiro de Oliveira acompanha há décadas as taxas de juro de mercado no Brasil. Na diretoria da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), expõe a diferença abissal entre o corte no juro básico (mais de 50%) e a redução para clientes finais dos bancos (na média, 15%), a blindagem da taxa do cheque especial, que parou acima de 300% ao ano e de lá não sai, e a inexplicável – ainda que discreta – subida na média em fevereiro. A entidade pressionava o Banco Central (BC) a usar outra medida para baixar as taxas na ponta: o corte dos depósitos compulsórios. Os bancos precisavam recolher 40% de todos os depósitos à vista – dinheiro não aplicado –, ao BC, sem poder emprestar. Desde a semana passada, a parcela foi reduzida para 25%. O próprio BC estimou que essa e outras medidas de mesma natureza vão "devolver" ao sistema financeiro R$ 25,7 bilhões. Embora esteja na direção correta, avalia Ribeiro de Oliveira, a medida ainda é tímida.
A redução nos depósitos compulsórios vai ajudar a baixar o juro na ponta?
A redução no compulsório foi tímida, poderia ser maior. Não foi surpresa, vínhamos cobrando do Banco Central (BC), porque era excessivo. O depósito compulsório é usado pelo Banco Central como ferramenta de política monetária. Quando a inflação está muito acentuada, tirar dinheiro de circulação ajuda a conter a alta de preços. Mas estamos em ambiente contrário. A inflação está abaixo do centro da meta. A economia está crescendo muito pouco, então há espaço para o BC reduzir o compulsório e dar mais dinheiro aos bancos, porque isso significa que terão mais para emprestar. Quando o juro básico está elevado e o BC libera o compulsório, os bancos pegam esse dinheiro e, em vez de emprestar, aplicam em títulos do governo. Com a Selic baixa, os bancos vão ter de emprestar para buscar remuneração maior. A redução foi positiva, porque os bancos vão ter mais dinheiro para emprestar, o que pode provocar maior volume de oferta de crédito. É como à feira. Se for época de morango, os preços da fruta caem. Na entressafra, sobem. Ocorre o mesmo com o dinheiro: se tiver muita oferta, os bancos terão de reduzir as taxas, se não tiver, cobram mais caro. Então, como a inflação está muito baixa, esperávamos que a liberação fosse maior. É claro que o BC pode fazer novas reduções graduais. O juro não vai cair de imediato, porque os bancos estão cheios de dinheiro para emprestar e não querem correr riscos, o desemprego ainda está alto, mas a tendência é de que, com mais dinheiro nos bancos, as taxas comecem a cair.
Vamos perceber?
Contribui, mas não vai fazer com que caiam muito, porque estão muito altos. Mas há um conjunto de fatores que pode levar à queda mais acentuada: a redução do compulsório, a Selic baixa, que torna pouco atrativos os títulos do governo e empurra os bancos para operação de crédito, a recuperação da economia, que reduziu o risco de crédito, uma competição maior entre os bancos. Cada fator isolado não resolve o juro alto. Mas o conjunto pode contribuir para reduzi-lo de forma mais acentuada nos próximos meses.
O governo pode e deve usar bancos públicos para provocar competição, desde que com responsabilidade, oferecendo juros menores para incentivar o crédito.
Os R$ 25,3 bilhões que o BC anunciou liberar com a redução do compulsório é um valor significativo?
Parece muito dinheiro, mas diante do volume de crédito de R$ 855 bilhões para pessoa física e de R$ 705 bilhões na pessoa jurídica, ou um total de R$ 1,56 trilhões, é um número importante, mas não chega a 3% do total de recursos livres para pessoa física e e não dá 1,5% do total. Claro que é melhor R$ 25 bilhões do que nada, mas é um número baixo frente ao conjunto.
É realista esperar novas reduções?
É um processo. Quanto mais liberar, maior o impacto. Mas o BC vai liberar a conta-gotas para acompanhar a pressão sobre os preços. Houve uma redução, espera-se que haja outras. É importante que BC continue fazendo corte de compulsório até o momento em que não comprometa a inflação.
O que mais o BC pode fazer para ajudar na queda na ponta?
A taxa final depende de cinco componentes. Tem o custo de captação, representado pela Selic, que já vem baixando e vai contribuir para a queda. Tem as despesas administrativas, que é o custo com funcionários e processos de agências, mas é um peso pequeno, não é um grande problema. Tem o risco de inadimplência, então o país tem de reduzir o desemprego para reduzir o risco de crédito. Tem o depósito compulsório, que está mexendo e deve avançar. E tem a margem líquida do banco, que é o lucro, porque precisa haver competição no sistema financeiro. E vem aí o cadastro positivo, que contribui para que o banco tenha mais informações do cliente e possa reduzir a taxa. Então a melhora da economia com a redução do juro básico e do compulsório vai contribuir.
A necessidade de maior concorrência entre os bancos está mais clara, tanto que o governo voltou a falar em usar bancos públicos para aumentar a concorrência?
Usar bancos públicos é bom, mas dentro da responsabilidade. Tivemos um período em que o governo usou bancos públicos para fazer esse papel mas a economia estava desarranjada e houve problemas. Mas os bancos públicos têm papel importante, até por seu tamanho. O governo, por ser acionista de Banco do Brasil e Caixa, poderia pressionar para que reduzissem margens. Claro que não se vai oferecer dinheiro de graça, mas na medida em que há bancos desse tamanho emprestando em condições melhores, empurrar a concorrência para que siga. Se não, vão perder mercado. O governo pode e deve usar bancos públicos para provocar competição, desde que com responsabilidade, oferecendo juros menores para incentivar o crédito.
Os bancos públicos não estão ainda se recuperando das perdas provocadas por esse tipo de estratégia no passado?
Há um limite, existe a regra de Basileia (norma internacional de limite de empréstimos, considerado seu risco, em relação ao patrimônio) de exposição do banco. Todo banco público tem limitações de alavancagem (volume de crédito em relação aos recursos próprios). A Caixa perdeu espaço por falta de recursos no crédito habitacional, mas nas demais deu puxada no freio dos empréstimos. É possível avançar nos empréstimos sem comprometer a capitalização da Caixa, sem ir contra as regras de Basileia. Claro que não vai emprestar adoidado, tem um limite. O Banco do Brasil tem conforto maior e a Caixa, maior limitação por conta dos problemas do passado. Mas é possível, sim, usar esses bancos como forma de provocar maior competição.
O volume ainda é muito pequeno, mas a tendência é de que as fintechs acabem acirrando a competição.
As fintechs são um elemento novo nessa equação? Começam a ajudar ou ainda são pequenas?
Tudo é importante. As fintechs vão acabar provocando competição em operações de crédito. O problema é que, de fato, o volume é pequeno. Quando começou o crédito consignado, só financeiras faziam. Os grandes bancos evitavam por entender que era um tiro no pé. Ao oferecer crédito consignado com taxas menores, concorreriam com as linhas de empréstimo pessoal deles. O que aconteceu? Os bancos perderam mercado, porque todo mundo começou a procurar financeiras para fazer consignado, que se tornou a principal linha de empréstimo pessoal. Aí os bancos perceberam e Banco do Brasil, Caixa, Santander, Bradesco começaram a entrar forte. Hoje são os principais bancos de consignado. É a mesma coisa em relação às fintechs. Primeiro pensam 'ah, é pequeno', mas já percebe a preocupação em oferecer banco digital para concorrer com fintechs. O volume ainda é muito pequeno, mas a tendência é de que as fintechs acabem acirrando a competição.
É possível fazer algo mais para aumentar a competição, abrir mercado?
Infelizmente não. Estamos em mercado livre e só haveria competição maior se tivesse interesse de instituições internacionais virem para o Brasil. Ao contário, várias saíram daqui. O BBVA e o Citi venderam a operação. Hoje não há banco aqui que desperte interesse de um estrangeiro vir para o Brasil. Então, houve concentração de mercado. Os principais bancos tem mais de 80% de mercado, sem redução de juros e competição. Mas o conjunto pode levar a uma queda mais acentuada de juro.