Há 18 anos no Brasil, o francês Patrick Hollard, diretor executivo do PageGroup para América Latina, África e Oriente Médio ainda fala com forte sotaque mas se refere ao Brasil como "nosso país". À frente de uma grande empresa de contratação de executivos, diz ver retomada no mercado de trabalho, embora ainda discreta. E espera que vá melhorar.
Como avalia esse momento em que o país voltou a crescer, mas o emprego ainda é escasso?
O setor de recrutamento depende de confiança. Quando existe, contrata-se mais, o candidato está aberto a mudar, o risco que toma é menor. Quando está baixa, a chance de isso acontecer é menor. Acabamos de passar três ou quatro anos de águas baixas. Há claramente mais que sinais de retomada, e não algo de um ou dois meses, mas de quatro, cinco meses. Muitas empresas pararam de contratar e estão fazendo caixa. Decisões de contratações que precisam ser tomadas, mas foram adiadas. Tem muita gente para contratar.
Existe essa retomada?
Sim, estavam empurrando com a barriga, mas chega um momento em que não se pode esperar mais. E ainda há certa antecipação, porque o mercado está melhorando. Isso ocorre mais em posições de vendas. Quando há sinais de melhora, é preciso ocupar o mercado se quiser conquistar participação ou aumentá-la. Pouco a pouco, outras áreas e funções devem seguir. Muitas empresas pediam: 'Quero o melhor mais barato'. Um diretor voltou a ser gerente, e existem situações até hoje de pessoas que ocuparam determinadas posições para as quais não estavam preparadas.
O adiamento da reforma da Previdência quebra expectativas?
Impacta, obviamente, a confiança. Isso se materializa em um pouco mais de frieza. Além disso, a chegada de um período de eleições presidenciais sempre impõe um período de altos e baixos, de emoções. Na economia, 2018 tem muito para ser um bom ano. A dúvida é se em 2019 haverá mais crescimento, porque a linha política ainda não está definida.
Preocupa o fato de dados de desemprego terem vindo pouco pior do que o esperado?
É muito cedo para ter opinião definitiva. Há setores que estão voltando a aquecer antes do esperado para nós, de contratações, tanto meia gerência como alta gerência, o que chamamos de operação industrial. Realmente os números não foram bons em janeiro, mas não se materializou para nós. Comparando janeiro e fevereiro do ano passado com os mesmos meses deste ano, estamos com crescimento de mais de 10%. Existem mais vagas no mercado abertas para contratações, no geral. É uma retomada clara, 10% não é pouco. É verdade que a base de comparação é baixa, porque o ano passado foi difícil. Mas não podemos ignorar a melhora.
Há sinal de reversão na substituição de executivos seniores por juniores?
Tem dois mercados para nós. Quando a economia vai bem, há um mercado de substituição de pessoas e também o de criação de vagas. Nos últimos três, quatro anos, quase não houve criação de vagas. Houve muita substituição, fazer melhor com menos custos, especialmente em segmentos de suporte. Foi muito difícil. Hoje, o mercado de substituição é contínuo e estamos vendo algumas criações de vagas. É um sinal muito forte de retomada. É ainda tímido, mas fazia muito tempo que não se via isso. Estive nos Estados Unidos e percebi que o Brasil está no radar de muitos fundos, de muitas empresas. O país tem muitas oportunidades hoje, muitas empresas internacionais olhando oportunidades de compra de empresas, parcerias ou abertura de novas plantas. Volto ao Brasil com percepção muito mais positiva da visão do país lá fora. Vai depender muito da eleição, mas existem muitas empresas "na boca do gol" para dar mais um passo no Brasil.
Vai depender muito da eleição, mas existem muitas empresas "na boca do gol" para dar mais um passo no Brasil
PATRICK HOLLARD
Diretor executivo do PageGroup para América Latina, África e Oriente Médio
É por que o Brasil está barato?
Por vários fatores. Um é o fato de haver muito dinheiro no mundo, ainda muito barato. Muitos fundos estão com bastante medo e ainda olham o que fazer. Outro é avaliação dos grandes potenciais do entorno. Quer presença mundial, tem de ser forte no Brasil. O país oferece retorno muito bom. Claro que não foi bom nos últimos anos, mas na linha do tempo – no Brasil é preciso ter visão de longo prazo –, é um momento de oportunidade. Empresas ainda estão pressionadas pelo fluxo de caixa, algumas estão em situação muito tensa e precisam de suporte. De uma maneira ou de outra, os planetas estão se alinhando. Não sei se para o bem ou para o mal, mas muitas empresas estão em discussão para parcerias. Isso também reaquece a economia.
Nos demais países que você acompanha, a situação é tão complexa quanto a do Brasil?
Na América Latina, a complexidade é forte. Alguns países, como o Chile, tem recuperação mais fácil, mais rápida, mais eficiente. Em outros, como o Brasil, é preciso ter paciência, resiliência, mas há várias oportunidades também. Mas toda a América Latina é para nós, do grupo, um mercado prioritário de investimento, porque o potencial ainda está muito longe de ser realizado. Há uma classe média se aquecendo na América Latina. O Brasil, nesse período de crise, perdeu uma onda que outros pegaram. Um exemplo interessante é que, no ano passado, crescemos mais de 20% na América Latina, enquanto no Brasil foi quase parado. Mas a região está em crescimento e isso cria oportunidade para o Brasil aproveitar e se alinhar aos demais.
A indefinição sobre a reforma trabalhista é uma trava importante para aumentar a contratação?
Essa reforma vai agilizar, deveria beneficiar tanto empresas como funcionários. É um avanço, mas preocupa quanto à complexidade do Brasil. É um excelente exemplo entre discurso, teoria e execução. A execução toma muito tempo no Brasil. Temos uma atividade especializada, de recrutamento temporário, que está incluída na reforma trabalhista. Já se pode ver interesse maior das empresas em contratar temporários especializados. Mesmo se a lei ainda não se aplica, a consciência dessa possibilidade já cria movimentação. O número de processos trabalhistas em baixa criou consciência de que as coisas estão mudando para melhor. Continua respeitando o interesse dos funcionários, mas dá possibilidade de simplificar os processos, o que ajuda a economia. Quando você explica a legislação trabalhista fora do Brasil para investidores, precisa de uma pedagogia forte para explicar, motivar as empresas a investir no país.
Todo mundo hoje tem medo dos robôs. É bom desmitificar, porque os países mais digitalizados tem a menor taxa de desemprego
PATRICK HOLLARD
Diretor executivo do PageGroup para América Latina, África e Oriente Médio
Que outros setores podem ter mais contratações?
O de óleo e gás voltou a subir, com o aumento do preço do barril de petróleo, mesmo um pouco devagar. Tudo que está conectado ao consumo direto vai ter impacto. Outros setores, ligados a infraestrutura e construção, dependem mais de decisões públicas, mas há uma vontade de voltar à execução. Só não sei se o timing joga a favor. O setor de energia está conectado com a retomada da economia e tem necessidade de grandes investimentos. É um setor que já está retomando a intensidade, mas vai depender do ritmo da retomada da economia. Um setor que passou razoavelmente bem a crise e que continua a crescer é o farmacêutico.
Os robôs de fato vão roubar empregos?
O impacto da digitalização e da inteligência artificial é um tema que vai impactar todos nós. Quantas posições de hoje vão existir amanhã e quantas novas ainda não existem e vão compensar a supressão das vagas? Todo mundo hoje tem medo dos robôs. É bom desmitificar, porque os países mais digitalizados tem a menor taxa de desemprego, caso dos nórdicos, da Alemanha. Temos de pensar quanto nossas organizações estão prontas para se adequar a essa revolução que já está ocorrendo. Cada um de nós, como pessoa e organização, tem de pensar como adequar nosso conhecimento e nossa empregabilidade a essa revolução.