Consultor do varejo, Marcos Gouvêa de Souza avalia que os consumidores aprenderam com a recessão no país e hoje estão mais exigentes por conta de inovações trazidas pela internet. Durante visita a Porto Alegre, o diretor-geral do Grupo GS& conversou com a coluna sobre mudanças que atingem as marcas e os seus respectivos públicos.
Como você avalia o desempenho do varejo no país nos últimos anos?
De 2004 a 2013, tivemos o período mais forte de crescimento da história do varejo brasileiro. As classes mais baixas ascenderam para a média. Houve farta oferta de crédito, com confiança do consumidor. Seguiu-se a isso a ressaca, até meados de 2017. Foi um período em que o varejo teve um comportamento distinto estrategicamente. Na fase do boom, o setor aproveitou para abrir lojas, para crescer rapidamente. Na recessão, deu uma travada geral. O problema mais sério que tivemos no Brasil foi que o crédito, elemento fundamental de ativação das vendas, tornou-se muito mais escasso, mais caro, controlado e seletivo. Isso aprofundou a crise do consumo no Brasil, apesar de que não tivemos explosão de inadimplência, mesmo no período de recessão.
Como você vê a largada do varejo em 2018?
Estamos saindo da recessão para a retomada. O consumidor está bem menos endividado do que nos últimos cinco anos. O crédito continua caro, limitado, mas ampliou sua oferta. Os consumidores amadureceram, aprenderam com a crise. Mais empresas incorporaram e ampliaram canais: loja, venda direta, e-commerce, catálogo, quiosque, televisão. O varejo se defronta com um consumidor mais maduro, mais racional, mais pragmático e que ficou três anos muito mais contido. Então, é um pé em cada canoa: uma do lado racional e outra da vontade de retomar o consumo. Também houve mudanças de hábito profundas, como a migração do consumo de alimentos em casa para os prontos, preparados fora das residências, por exemplo.
Quais são os principais impactos dos canais de vendas digitais no varejo?
Um elemento importantíssimo é o poder adicional que se colocou na mão do consumidor, responsável por exponenciar a competitividade de mercado através do digital. Por meio de um clique, o cliente compara preços, vê onde está a melhor condição, com melhor oferta e melhor produto. Principalmente, olha o que dizem outros consumidores sobre marca, loja e produto. Isso representa um dos fatores mais importantes no processo de decisão do consumidor atual. O varejo nacional está sendo novamente alvo da atenção internacional, dos operadores que se deram conta de que o Brasil está superando a crise. As razões estruturais que fazem com que o país seja um mercado interessante estão cada vez mais presentes. Teremos no Brasil um crescimento da competitividade. Com o digital, a concorrência global está cada vez mais forte.
Qual a principal mudança no modo de vender?
É a incorporação do digital em tudo que se refere ao negócio do varejo. O digital é muito maior do que a questão do e-commerce. O e-commerce no Brasil ainda gravita em torno dos 4%, o que é relativamente baixo se comparado ao resto do mundo. Mas o digital transforma a forma como o consumidor pesquisa, escolhe, compra, paga e recebe. E isso precipita uma transformação muito maior. O digital é, sem dúvida, o elemento que é uma variável muito mais abrangente do que simplesmente o e-commerce. É um elemento que produz as mais profundas transformações estruturais e estratégicas no varejo. Um exemplo é o da realidade virtual. Você pode, em um quiosque de dois por dois metros, colocar uma loja de 1,5 mil metros quadrados. Com a realidade virtual, o consumidor visitará essa loja sentindo cheiros, ouvindo música, com um ambiente controlado.
Você usa um conceito de "comoditização" do varejo. O que isso significa?
Antes de pensar em ir à loja para comprar, as pessoas estão pesquisando na internet o produto, o preço, a condição, a opinião dos clientes que já adquiriram aquele item. Esse é um elemento importantíssimo. Força o mercado como um todo para que reduza a rentabilidade. O consumidor vai comprar onde tem a melhor relação entre custo e benefício. Isso caracteriza um pouco da comoditização, porque transforma quase todos os produtos em commodities.
Como você descreve o varejo do Rio Grande do Sul?
Fica claro que há algumas características muito típicas do consumidor gaúcho. Historicamente, o varejo gaúcho sempre foi local. Poucas empresas do Estado ousaram avançar no Brasil. Talvez, o melhor exemplo de quem fez e deu certo foi a Lojas Renner. Em uma outra escala, a Colombo e a Ipiranga. Mas outros, com raras exceções, sempre se ativeram a operar localmente, sem pensar para fora das fronteiras. Isso fez com que o varejo do RS se protegesse de quem vinha de fora. É um varejo muito próprio, muito fechado, e o que mais valoriza as marcas locais. Outra característica importante é que o consumidor gaúcho é, entre os demais brasileiros, o mais racional no seu comportamento. Ele pondera. Tem muito a ver com a cultura de um consumidor que é mais racional, inspirado por regiões da Europa que desenvolveram consumidores mais pragmáticos. No Sul, algumas práticas foram implementadas antes mesmo do que nos centros mais desenvolvidos do Brasil, porque o empresário gaúcho sempre ficou muito atento à operação, aos conceitos, às práticas e aos negócios. Isso fez com que, dentro do mercado, o varejo gaúcho fosse muito desenvolvido, embora faltasse a ousadia estratégica de avançar para o restante do Brasil.