A reação de boa parte dos brasileiros ao anúncio da menor inflação anual acumulada desde 1998, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é de descrença. Considerado o indicador oficial do país, por servir de referência para o regime de metas de inflação, o IPCA subiu – é bom frisar o verbo – 2,95% em 2017. Por mais que o preço dos alimentos tenha caído, a sensação no bolso é de mais peso, não de mais leveza. Em um país que tem memória traumática sobre custo de vida, é importante entender a mecânica não só do cálculo do índice mas de seu significado na vida de cada brasileiro.
1. Inflação baixa não quer dizer baixa geral de preços. Significa apenas que a média subiu menos – embora tenha sido bem menos – do que nos anos anteriores. Para o fenômeno da queda generalizada de preços, há outro nome, deflação, que chegou a aparecer em outros indicadores, mas não no que é considerado o "oficial".
2. Índices de inflação são cálculos que tentam reproduzir médias de comportamento de consumo. São uma espécie de orçamento teórico, montados a partir da suposição de quantidades e tipos de compras. No universo de ao menos uma dezena de indicadores de inflação, o IPCA é considerado o mais abrangente, o mais "classe média". É calculado mirando o comportamento de consumo de famílias com renda mensal de até 40 salários mínimos (cerca de R$ 37 mil). Mesmo assim, cada família tem um perfil diferente de consumo. Umas se alimentam mais em casa e tiveram redução de custo de 4,85%, outras frequentam mais restaurantes e encararam alta de 3,83%. Isso significa que cada família e indivíduo tem uma inflação específica.
3. A alta dos combustíveis começou a se acentuar em julho, quando a Petrobras trocou reajustes mensais por quase diários. Entre avanços e recuos, a média de aumento para gasolina e diesel ficou em torno de 9% em 2017, conforme a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Embora doa no bolso das famílias que usam carro, a gasolina tem baixo peso no IPCA. O diesel é mais representativo. Apesar de já ter provocado elevações no custo do frete, o aumento do combustível ainda não teve impacto total na inflação porque ainda não foi repassado, por exemplo, para as tarifas de ônibus – o que deve ocorrer neste início de 2018.
4. Imaginar que a instituição responsável pelo cálculo do IPCA, o IBGE, possa ser suscetível a pressões para "fabricar" uma inflação irreal, a la Argentina, é desconhecer a história e o momento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Composto por quadro técnico muito cioso de suas obrigações, o IBGE é presidido desde junho por um funcionário de carreira, Roberto Olinto. Em dezembro passado, Olinto soube dos planos do governo do Rio Grande do Sul de terceirizar o cálculo do PIB depois da extinção da FEE. Em nota à coluna, usou a seguinte argumentação: "A partir do momento em que se coloca uma situação como essa, se torna muito difícil que o IBGE ceda dados individualizados, protegidos sob sigilo, para uma empresa que não faz parte da produção de estatística protegida por todos os fundamentos e toda a ética da Estatística." Dá para imaginar alguém que menciona "ética da Estatística" – a maiúscula veio na nota original – colaborando para manipular um indicador?