Um negócio que começou com uma provocação e uma aventura se tornou uma rede de cafés e restaurantes que faturou R$ 28 milhões em 2017, quando investiu em três novos empreendimentos – em um ano ainda marcado por incertezas e dificuldades. Não é uma trajetória comum, mas quem a trilhou relata que não houve um grande milagre. É resultado de trabalho e planejamento. Carla Tellini, fundadora e proprietária do Grupo Press, avisa que quer mais, e vai em busca de voos mais altos com os pés firmes no chão.
O ritmo de investimento ignora a crise ou se aproveita da crise?
Ignorar, não tem como. Ao mesmo tempo, a crise não assusta, serve de estímulo. Há todo um aprendizado em época de dificuldades, em termos de novas práticas, ao mesmo tempo mais ousadas. Internamente, é tempo de rever processos, cobrar mais resultados. Depois que passa a crise, tudo isso permanece. Se a empresa sabe tirar proveito da crise, sempre vai ser lembrada como um momento benéfico, não ruim. Mas, claro, isso é bem pessoal, de gestão para gestão.
Abrir três novas operações em um ano ainda marcado pela crise foi proposital?
O primeiro foi o ÔXiss, a unidade piloto, depois teve o Bah e o Press Café no Park Shopping Canoas. É um café bem bonito em um ponto importante do shopping, em frente à pista de patins, um projeto bem ousado, todo em mármore. São coisas que a gente sabe que agregam para o nosso negócio. Foram resultado de investimetos de R$ 6 milhões no segundo semestre.
E qual o faturamento de todos esses negócios?
O Grupo Press é multimarcas. Tem o Press Café, o Bah, a Presstiserie, o ÔXiss e o Press Bar Restaurante, o queridinho da cidade hoje. Nosso faturamento aproximado de 2017 é de R$ 28 milhões. São 270 empregados. E começamos com 16. É um segmento pouco contemplado com incentivos e benefícios, mas que emprega muito.
Como tudo começou?
Começou com uma provocação, porque não gostava de café expresso. Sou publicitária, então fazia reuniões em shoppings e tomava muito café, mas tinha horror a café expresso. E um dia bateu a brincadeira: 'Vamos abrir uma cafeteria paa ver se consigo tomar café expresso bom'. Continuava como publicitária, mas não sei fazer nada brincando, então, em seguida, o Press tomou corpo. Achei que precisava investir em treinamento de baristas, trouxe uma barista premiada. No terceiro ano, o Press foi vice no Campeonato Brasileiro de Baristas, representou o Brasil no Mundial na Dinamarca, no mundial Latte Art na Austrália. Trouxe essa ânsia por poder mensurar o resultado do trabalho com premiações. Aberto em 2002, o Press é um dos grupos gastronômicos mais premiados do Brasil. São mais de 50 premios em todas as áreas.
Esse movimento antecedeu a disseminação das cafeterias?
Veio um pouquinho antes. Claro que, ao mesmo tempo em que está à frente da onda, você abre o movimento para facilitar para outros. E junto com o café, vieram os doces. Não vou querer uma cafeteria que não domine seu produto principal depois do café, que é o doce. Então pensei: 'Vamos investir'. Houve uma negociação com a Thompson de compra de equipamento, de receitas. A Thompson era uma confeitaria muito charmosa e sofisticada de Porto Alegre. Seu dono, o Thomas, é alemão. As pessoas acham que a confeitaria tem origem francesa, mas a confeitaria da Áustria e da Alemanha ensinou muito aos franceses. Seu Thomas foi chefe de cozinha da Varig e abriu uma confeitaria supercharmosa na Avenida Independência. Era um superchef patissière, mas com o tempo, também pela idade, fechou a confeitaria e foi para São Francisco de Paula. Durante um tempo, eu subia a Serra para buscar doces. Ele começou a dizer que queria parar de produzir. Então nossa chef patissier, minha irmã Mirella Tellini Aranha, ficou seis meses indo e voltando a São Francisco, ficava cinco dias e voltava dois, tendo aulas particulares com ele.
Se a empresa sabe tirar proveito da crise, sempre vai ser lembrada como um momento benéfico, não ruim .
CARLA TELLINI
Proprietária do Grupo Press
Tornou-se um novo negócio?
Sem dúvida. É uma marca, fiz questão de trabalhar assim. Além de a confeitaria produzir todos os doces para os restaurantes e cafés Press, também tem sua própria marca, que é a Presstisserie. Tem uma indústria, produzimos mais de 50 mil doces por mês.
O crescimento sempre foi com recursos próprios?
Sempre orgânico, não temos sócios. Os recursos são da própria empresa, com algum apoio do BNDES. Para dar uma ideia, um forno combinado custa R$ 40 mil. Só parte os investimentos em uma cozinha chegam a R$ 800 mil com balcões, fogões, exaustão. Como tem produção nacional, há financiamento pelo BNDES via Finame. E é bem tranquilo, bem fácil.
Quais foram os maiores desafios para crescer?
Foi o de abrir o primeiro restaurante, apostar que a cozinha gaúcha poderia ser diferente da visão dos próprios gaúcho. Era algo que me incomodava, porque chegava um visitante e era levado para comer em um restaurante tailandês. Por isso o Bah foi importante, foi um desafio. O projeto era superbonito, superchique, e quando apresentei o cardápio, as pessoas me falaram: 'Ah, mas vai botar costela?'. Há 10 anos não existiam restaurantes com produtos brasileiros mais modernos. Os de comida regional eram muito populares. Não que o Bah seja alta gastronomia, mas eram mais simples. E criar um ambiente bonito, investir em montagem, tem relação com autoestima. Outro desafio é que coloquei na cabeça que venceríamos o Campeonato Brasileiro de Baristas e, durante quatro anos, batemos na trave. Era a única cafeteria de Estado não produtor de café que ganhou essa premiação até hoje. Imagina todos os produtores de café, a maioria com suas fazendas por trás, vem aquela cafeteria do RS, onde não cresce café nem em quintal porque a geada não deixa (risos), e saiu ganhando. Depois disso, crescer em meio à crise também foi um desafio, porque a cartilha não é assim.
Esse crescimento na crise foi oportunidade ou planejamento?
Tínhamos um planejamento e seguimos. Esse foi o desafio. Não aproveitamos oportunidades, mas seguimos o planejamento feito em 2014, em outra realidade. Não havia começado o parcelamento de funcionários públicos. Isso interfere diretamente em todas as prestações de serviço de Porto Alegre. É a capital do Estado e, diferentemente de São Paulo, não há um volume de executivos de alto poder aquisitivo. Porto Alegre tem funcionários públicos de alto padrão. No segmento em que o Press atua, e que outros prestadores de serviço atuam, foi imediata a retração após o início do parcelamento de salário. Agora, acho que as pessoas se acostumaram.
Preconceito, existe, sim. É um preconceito velado no segmento de negócios. Mas está mudando.
CARLA TELLINI
Proprietária do Grupo Press
Até agora, como têm evoluído os projetos de 2017?
O ÔXiss foi superbem aceito. Adoro os "xis" (casas de lanches) tradicionais, mas nenhum deles foi montado com autoestima suficiente para pensar: 'Essa operação pode estar em qualquer lugar do mundo'. Acredito que pode fazer frente a redes de burger, porque é um lanche muito típico, não é parecido. Não é burguer, é xis. Tem milho, ervilha, é prensado, vai ovo, coração de galinha, calabresa, strogonoff. É bárbaro. A ideia do ÔXiss é que faça o caminho inverso, que vá para o mundo.
Levar para o mundo quer dizer expandir?
Sim, o primeiro objetivo é deixar a operação bem redonda, porque é uma loja-piloto, é organizar tudo o que falta para conseguir padronizar. Importamos uma máquina portuguesa para fazer pão, demorou um pouco para chegar. A ideia é abrirmos, em 2018, mais duas operações do ÔXis aqui em Porto Alegre, uma na Bela Vista e outra na Zona Sul. Depois, o plano é transformar em modelo de franquia um pouco diferente. É um modelo de jovens sócios formados em gastronomia que queiram botar a barriga na chapa.
E quais os planos para todo o grupo?
Temos um projeto há muito tempo engatilhado, a trattoria do Press, que com certeza vai acontecer em 2018. Temos um local, que já está em negociação. Vai ser um restaurante de rua, com estacionamento.
Ser mulher fez diferença na sua trajetória?
Acho que para o bem. Preconceito, existe, sim. É um preconceito velado no segmento de negócios. Mas está mudando. Está partindo das mulheres, temos falado mais abertamente e estamos forçando, tendo autoestima suficiente. A mulher tem, em um segmento como este, o olhar para detalhes. O primeiro valor do Press é atenção aos detalhes. E outros ligados à qualidade, parcerias. Esse é um viés extremamente feminino, e nem gostaria que fosse diferente.