Na oitava edição do Fórum Respostas Capitais, evento bimestral realizado na sede do Grupo RBS, José Renato Hopf, que apresentou a 4all no final de 2016 como "maior lançamento digital do país", admitiu que estuda abrir capital ainda neste ano, porque o assédio de investidores está forte.
Criador do Banricompras e da GetNet, comprada pelo Santander em 2014 por R$ 1,1 bilhão, o empreendedor diz ter escolhido desenvolver no Estado pelas pessoas e pelo cenário de inovação.
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Sua carreira de empreendedor começou da forma mais inusual, dentro de um banco público. Como foi possível?
As coisas não acontecem por acaso. Têm muito a ver com o grau de dedicação e resiliência. Sempre fui inquieto. Minha mãe dizia que eu seria diplomata porque queria mudar o mundo. Algo que me ajudou foi ter estudado em colégio militar. Sou filho de militar e neto de alemão. Essa disciplina me ajudou muito. Há quem deseja empreender e não consegue por falta de disciplina. A criatividade, sozinha, não realiza. Ideia boa todo mundo tem. A diferença é se cercar de gente muito boa, se organizar e ter disciplina de execução.
Com 22 anos, eu coordenava a área de automação central no Banrisul. É claro que batalhei, trabalhei, fui resiliente. Mas não posso deixar de falar sobre a oportunidade que me foi dada, que não é comum em banco público. Comecei vários projetos. Um deles, muito importante, foi a criação do banco eletrônico, no qual estava o Banricompras. Surgiu a ideia de transformar o cheque em cartão. Transformei essa ideia em rede, um conceito que já existia no mercado externo. Criamos a primeira rede independente do Brasil. Depois, pensei em tocar meu negócio. Surgiu, então, a ideia da GetNet. A diferença entre resiliência e teimosia é que, quando um projeto dá certo, a pessoa é resiliente. Quando dá errado, é teimosa (risos).
Por que você resolveu deixar um projeto estruturado e criar a GetNet?
Com o projeto do banco eletrônico, fui muito para o Exterior. Fiz quatro visitas, em que percebi que não fazia sentido ao mercado brasileiro estar dominado por monopólio ou duopólio. Olhava e pensava que teria de haver espaço para abrir o mercado. No Banrisul, não conseguiríamos fazer.
É verdadeira a lenda de que você tentou implantar o projeto dentro do Banrisul?O Banrisul não tinha força política para abrir mercado. Havia gigantes com alto poder econômico, como Bradesco, Banco do Brasil e Itaú. Como toda empresa, faz parte do jogo a tentativa de defender o que já foi conquistado. Mas também faz parte do mercado tentar desafiar o status quo. O novo projeto, para ter escala, não poderia ser local. Vislumbrava a oportunidade de ter produtos e serviços que não eram bancários. Não era algo que daria para fazer dentro do Banrisul. Vi que era hora de colocar toda a energia em algo de que também seria dono. Surgiu, então, em 2003, a GetNet.
Antes da GetNet, tentei criar uma empresa de automação. Não deu certo. Percebi que não teria como criar um negócio sem capital e que nada dá certo sem muita energia. A grande parte dos negócios não dá certo porque falta compatibilidade com o nível de esforço necessário. Sonho grande é bacana, mas são necessários plano factível e execução.
Conheci um grupo empresarial com um projeto de cartão importante, ainda pequeno na época. Eles tinham a ideia de criar uma rede independente. Só que eu disse que rede era custo. Então, juntaram-se quem desejava abrir um negócio e quem tinha um plano audacioso. Assim começamos a GetNet, eu e mais oito pessoas. É aquela história: não se constrói nada grande e perene sozinho. Isso sempre me acompanhou. Cada um tem seu perfil, mas é preciso haver confiança.
Na GetNet, pelo menos em umas três vezes, poderia não ter dado muito certo. A empresa foi responsável pela viralização da recarga eletrônica de celulares no Brasil. Até 2003, a recarga era feita com cartão. Para convencer as teles, compramos lote de 2 mil cartões. Colocamos no sistema e fomos a cada operadora para mostrar que o processo poderia ser eletrônico. Tínhamos 30% da recarga eletrônica no Brasil. Chegamos a movimentar mais de R$ 4,3 bilhões em recargas em 2008. Aí veio a crise que não afetou tanto o Brasil, mas nos atingiu porque as teles eram internacionais. Do dia para a noite, vimos nossa vaca leiteira reduzir 50%.
Depois houve pressão de Banco do Brasil e Bradesco para postergar o projeto. Estávamos prontos em agosto de 2009, mas só lançamos em março de 2010, com dificuldade de integração. A GetNet deu salto enorme. Tínhamos rede de 150 mil estabelecimentos e passamos a aumentar, em cada um dos primeiros meses, nosso tamanho em 20%.
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Depois da venda da GetNet, em tese seria possível viver de renda. O que o motivou a lançar a 4all?
Estou no melhor momento da minha vida, com saúde, energia e capital para investir. Em agosto de 2014, o Santander assumiu a GetNet e trouxe uma equipe. Combinei que ficaria por seis meses na transição. Depois, focaria nos meus projetos. A ideia era mostrar que dava para fazer no Brasil uma empresa com potencial de ser global, com o mesmo funcionamento de uma do Silicon Valley (Vale do Silício), nos Estados Unidos. Fui para lá.
A ideia desse novo negócio me persegue desde 1998. Tive uma viagem para a IBM, perto de Nova York, e assisti a um palestrante com perfil de nerd clássico e gênio louco. Ele tinha barba grande, cabelo longo, olhos esbugalhados. Tudo que ele falou aconteceu. Disse que, entre 2005 e 2010, haveria uma transformação, em que o poder computacional iria chegar e viralizaria. Hoje, da população economicamente ativa do Brasil, 65% tem smartphone. Em Porto Alegre, 80%. Isso viabiliza o mercado digital. Na verdade, a tecnologia só viabilizou a mudança no mundo. Todas as indústrias são atingidas. A tecnologia só torna essa mudança mais rápida.
Qual é, exatamente, o modelo da 4all?
Criamos uma plataforma que procura ajudar as pessoas em todos os momentos do dia a dia. Só que, para isso, precisamos ajudar as empresas a se tornarem digitais. Essa plataforma envolve negócios de todos os tipos, supermercados, companhias de mídia, shoppings e clubes de futebol. Há empresas com dificuldades para se conectar com players globais e startups. A plataforma tem mais de 70 funcionalidades. É um processo de amadurecimento. Há a adaptação de empresas e pessoas. Isso só vem com tempo, treinamento, informação e trabalho.
Atuamos para que, ao longo de 2017, consigamos fazer com que as pessoas tenham vida real melhor com suporte da plataforma digital. Fechamos parceria com Grêmio, Shopping Total, Indigo (estacionamentos), cartão Teu. Nossa expectativa é atingir de 20 milhões a 30 milhões de usuários até o fim do ano, que podem não saber que estão utilizando a plataforma. Vamos crescer muito em Porto Alegre, Grande Porto Alegre e Litoral neste primeiro trimestre. Vamos começar a preparação para fazer forte expansão nacional no segundo semestre. Há serviços funcionando superbem, outros não. Muitas coisas funcionarão 100% só com uso intensivo.
A 4all comprou empresas?
Algumas, como uma de automação digital, a AlfaMobile. Era de dois rapazes, e o que mais nos interessava era trazer os dois para o nosso barco. Brinco que não compramos empresas, convencemos o pessoal a vir com a gente. Compramos plataformas e empresas, algumas pequenas, outras nem tão pequenas. Como não temos outros investidores, não divulgamos o valor. Não tínhamos intenção de abrir capital neste ano. Temos condições para tocar o projeto até 2018. Mas fomos abordados por muitas empresas, por muitos fundos de investimento.
O capital é abundante, com procura de negócios para investir. Há poucos investidores colocando dinheiro no Brasil. Isso faz com que a 4all se torne alvo. Aí começamos a pensar em abrir o capital neste ano. Vimos que alguns fundos ajudarão a empresa a crescer. Estamos estudando, não é uma decisão, mas a 4all está inclinada a fazer abertura de capital neste ano.
Como seria o modelo?
Os investidores que nos abordam estão vinculados a grandes grupos empresariais. Recebemos várias sondagens em dezembro. Várias chegam dizendo que a ideia está muito boa. Provavelmente abriremos o capital em série A. É o conceito de captação com aquisição de participação da empresa.
Medidas do governo que propõem diferenças em relação aos meios de pagamento têm impacto no negócio da 4all?
De maneira superpositiva. Nosso negócio não se baseia na receita direta, apenas no meio de pagamento. A remuneração financeira de meios de pagamento é pequena frente ao resto. A fintech é um dos quatro braços da 4all. Nossa atuação como fintech é de integração. A margem é pequena, queremos escala. Queremos ganhar um pouquinho em cada transação, mas ganhar em todas. As empresas afetadas por essas medidas, inclusive, são potenciais parceiras da 4all. Temos conversado com duas.
Há críticas frequentes ao ambiente de negócios no país e no Estado? É possível superá-los?
O empresariado, mesmo o mais liberal, também tem cultura paternalista, de esperar que o Estado ajude. Temos de exigir que o Estado atrapalhe menos e dê retorno dos impostos. O primeiro ponto é parar com esse discurso paternalista. O empresário tem de batalhar para que o imposto seja correto. Mas o pessoal só discute redução de imposto para si, e não simplificação e aplicação correta. É uma visão empresarial antiga, egoísta e retrógrada.
O ambiente empresarial tem dificuldades burocráticas que poderiam ser simplificadas. Torço para que alguma melhoria ocorra no âmbito federal. Se é difícil para mim, é difícil para os outros. Quem for melhor vencerá. É difícil é conhecer pessoas que consigam desenvolver os processos. Aqui em Porto Alegre, conheço muita gente. No mundo, há dinheiro para ser investido em bons projetos. O difícil é ter gente boa para construir. Neste momento de dificuldade, empreender é bom. É preciso ter coragem para fazer. Investir em momento bom é normal. Em momento ruim, excelente.
Pergunta de Paulo Beck, CEO da Grow+
Como você atua na gestão de pessoas?
Todo grande case global é baseado em modelo totalmente diferente ao que vivemos até hoje. Para a 4all ter crescimento exponencial, é preciso usar modelo de gestão exponencial. Há dificuldades no Brasil. As leis trabalhistas eram corretas na época em que existia exploração. Hoje, na verdade, atrapalham a possibilidade de as pessoas serem mais flexíveis e a meritocracia. O Brasil tem modelo paternalista equivocado. Mas essa é a realidade para nós e para todos que estão aqui.
Implantamos um modelo de células, como se fossem empresas, cada uma com grande autonomia. Pouco depois do lançamento da 4all, em novembro, recebemos mais de 3 mil currículos. Hoje somos pouco mais de 140 pessoas. Temos cerca de 50 vagas abertas. Com mais de 3 mil currículos, por que não fechamos essas vagas? Precisamos selecionar muito bem os perfis. Entrevistamos e fazemos testes. Temos de ter preocupação de trazer gente bacana, simples, e que goste de gente.
O maior diferencial da 4all não é a estratégia de negócio, é estratégia de gente. Claro que não está funcionando perfeitamente. Está uma zona (risos). Estamos aprendendo. Sou crítico à ideia de que há uma "geração mimimi". Há cinco anos, quando surgiu o termo, pensei que estava correto. Mas logo me dei conta de que a nova geração não é egoísta. Na 4all, não focamos em faixa etária. Focamos no perfil. Se a pessoa tiver 15, 30 ou 60 anos, não importa.
Pergunta de Gabriela Cardozo Ferreira - Diretora de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS
O que podemos fazer como sociedade para criar ambiente melhor para inovação?
Há associações como a Endeavor, de que participo, de incentivo ao empreendedorismo. Essas ações empresariais favorecem a criação de ambiente mais adequado. O novo prefeito de Porto Alegre (Nelson Marchezan) tem agenda muito positiva nesse sentido. O anterior (José Fortunati) também tinha ações especificas. Faltam ações nos governos estadual e federal.
Vemos iniciativas pontuais boas em cidades como Florianópolis. Quando alguém não faz, temos que correr atrás. Se não fazem, vou lá e faço. Estive em São Paulo outro dia, o trânsito estava trancado. Saí do carro, um Uber, resolvi um galho que estava trancando a rua. A lógica é essa. Não dá para ficar parado esperando a resolução. Dá mais trabalho não mudar.
Pergunta de Ambrósio Pesce, diretor comercial da Iesa
Do ponto de vista tecnológico, o que pode ser feito para auxiliar o Estado na área de segurança?
Estive com alguns secretários. Em Porto Alegre, os empresários estão tendo espaço para ser propositivos. Há muito a ser feito. Existe muito desperdício. O problema financeiro é consequência da nossa ineficiência de modelo de gestão, sem personalizar governo ou partido. O Brasil precisa de um enorme choque de gestão. Defendo Estado mais eficiente. O serviço público tem de estar a trabalho da sociedade. Se quisermos sociedade mais justa, precisamos de trabalho forte de eficiência e contra a corrupção.
Pergunta de Vilson Noer, presidente da AGV
Qual o impacto da tecnologia sobre o varejo?
O que mudou no mundo afetou não só o varejo. Atingiu todos os setores. É uma mudança comportamental. Em relação ao varejo, tenho visão otimista. Há pânico de que a automação gere desemprego. A automação vai gerar qualidade de vida. A tendência é de que as pessoas tenham mais tempo. Em países como Alemanha e Suécia, as pessoas trabalham menos, já que há produtividade. Mas isso pressupõe educação com suas respectivas mudanças. A educação evita que um populista chegue ao poder, como nos Estados Unidos. Populistas de direita ou esquerda são iguais. Só estragam os países e ganham votos.