Quando perdemos alguém ou algo ou, ainda, estamos na iminência de uma perda, inicia-se um roteiro previsível para lidar com a dor. Nem sempre é linear, geralmente é mesclado, com fases superpostas, mas possui uma sequência e, infelizmente, nem todos chegam ao fim do processo.
Começa com a negação. O choque é tão forte que não parece ser real. O sujeito age como se nada tivesse mudado.
A segunda fase é a raiva. Como forma de evitar lidar com a perda, ele procura culpados e briga com quem já aceitou o fato.
A terceira fase é a negociação. O sujeito pede mais tempo para aceitar as consequências. Ilude-se que, com promessas de ser melhor, evitaria o dano.
A quarta fase é a depressão, que faz parte do reconhecimento e da assimilação da perda. Mas o sofrimento impede a ação de mudar, pois o sujeito pensa a mudança como impossível, ou que não vale a pena.
Por fim, temos a aceitação. A consciência de que a vida segue, mas de uma outra forma. Sem o desapego, não há uma legítima possibilidade de retomar o caminho.
Nós, gaúchos, passaremos pelas fases do luto. Estamos diante dos efeitos da mudança climática, perdemos vidas, casas, carros, estradas, pontes, escolas, prédios públicos. E seguiremos perdendo se não nos adequarmos à nova realidade.
Temos que aceitar que nosso clima é outro. Para sobreviver, devemos fazer mudanças radicais e custosas. Reconstruir do mesmo modo, nos mesmos lugares, será um desperdício. Tratar a natureza do mesmo modo que fizemos é acelerar o processo de destruição.
Temos que aceitar que nosso clima é outro; para sobreviver, devemos fazer mudanças radicais e custosas
O que passamos se repete em vários lugares do mundo. Trata-se de eventos climáticos extremos. A atmosfera e os mares aqueceram e isso interfere no clima. Como o aquecimento é desigual, até um novo equilíbrio haverá um período de turbulência.
Nada do que acontece é novidade para climatologistas e cientistas de áreas afins. Faz décadas que isso foi anunciado. Eu me interessei pelo tema escutando um ilustre gaúcho, pioneiro da ecologia no Brasil, José Lutzenberger.
Confio na resiliência e engenhosidade humana, acharemos saídas. Mas temo o prolongado tempo do luto, a teimosia da negação. Temo o ódio infantil que surgirá contra quem aponta a realidade. Temo a barganha de quem tenta adiar o inadiável. Temo o abatimento pelas inevitáveis perdas.
Sairemos disso maiores, mas precisaremos de coragem e esperança, há muito trabalho pela frente.