Semana passada, sem dizer como, Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, disse que o país precisaria reparar os crimes da escravidão. Seria um primeiro passo, o segundo seria perguntar o preço que o país pagou por essa trágica escolha.
Resumo das palavras de um português do século XVIII, António Ribeiro Sanches, no seu livro Cartas Sobre a Educação à Mocidade de 1759. Intelectual que, por suas ideias, abandonou o país e nunca retornou.
Para Sanches, a escravatura era uma tragédia moral e um erro estratégico. O uso desse modelo desumaniza o escravo, ao mesmo tempo embrutece e estupidifica seus amos. Portanto, seria impossível educar os jovens - esse era o intuito de seu escrito - no cultivo das virtudes da humanidade, do senso de justiça, se eles estavam anestesiados à bestialidade infligida aos escravos.
Economicamente, a escravidão teria criado um ânimo venenoso na comunidade, tornando os brancos soberbos, indolentes e incapazes. Com a mão de obra mais barata possível, o dinheiro chegando fácil das colônias, o reino pode escolher não educar-se. Enquanto a Europa alfabetizava-se e industrializava-se, Portugal comprava de seus vizinhos novos bens, sem entender sua tecnologia. Além disso, corroeu-se o valor do trabalho, afinal, isso seria coisa de escravo.
Em síntese, um modelo econômico errado construiria uma sociedade errada, e por consequência, um modelo educacional errado. A escolha por uma riqueza a curto prazo condenaria o país, a longo prazo, a um empobrecimento moral, intelectual e econômico.
A velha piada que dizia que a vantagem de Portugal era ser perto da Europa, subentendia a profecia de Sanches. Eles perderam o bonde da industrialização européia.
Infelizmente, incorporamos o modelo. O Brasil, embora não goste de reconhecer, é filho de Portugal, na soma de suas virtudes e vícios.
Quando vejo, num supermercado, uma pessoa com o olhar bovino, esperando que alguém empacote o que acabou de comprar, enxergo a raiz da dificuldade de fazer algo manual. Ele espera que algum serviçal faça isso por ele. O trabalho, por menor que seja, avilta tais pessoas.
Crimes custam caro a todos, ainda não sabemos o caminho para sair dessa armadilha, nem como, principalmente, reparar o mal causado.
PS: Soube de Sanches pelo historiador português Rui Tavares, no seu podcast “Agora, agora e mais agora“ , confira, é deveras instrutivo.