Cresci durante a corrida espacial, o duelo tecnológico por conquistas no espaço, entre EUA e Rússia. Soube por Iuri Gagarin que a Terra era azul. Assisti na TV o homem pisar na lua. Lembro da comoção pela primeira foto da terra tirada do espaço.
Meu imaginário era alimentado por Perdidos no Espaço, Os Jetsons, e Jornada nas Estrelas. Acreditava que colonizar o espaço seria nosso destino natural. O sonho acabou quando estudei física e biologia.
Como seria viver em Marte, já que Elon Musk com a companhia SpaceX, Jeff Bezos com a Blue Origin e Richard Branson com a Virgin Galactic querem enviar pessoas para lá? A temperatura média é de 55 graus negativos. A atmosfera é 95% de gás carbônico e a pressão é 0,6% da nossa. A gravidade é 38% da terrestre. Sem escudo magnético e com camada gasosa rala, a radiação solar é 20 vezes maior que a terráquea.
Nosso corpo foi esculpido pela evolução para viver aqui, adoece em outras condições. Nos filmes de viagens espaciais não se fala da anemia do astronauta, da perda de massa muscular e óssea, do aumento dos níveis inflamatórios, disfunções cardíacas, imunológicas e hepáticas… A lista completa não cabe na coluna.
Para contornar o ambiente inóspito de Marte - fora a gravidade que é impossível -, seria necessário construir uma bolha, provavelmente enterrada para minimizar a radiação, e obter oxigênio não se sabe da onde, para simular as condições terrestres. Seria como uma vida em submarino, atentos a não sucumbir à brutal diferença de pressão.
Quando a Terra começa a sofrer as consequências do uso predatório da natureza, e o desafio é minimizar esse impacto, para que serve planejar numa colonização inviável?
O filme Blade Runner cria uma distopia onde nosso planeta estaria destruído, e os mais afortunados, viveriam em colônias extraterrestres. A obra capta a ideia de “azar do planeta”, e os eleitos escapam do ocaso terrestre. Seria essa a fantasia subjacente? É essa a resposta dos bilionários para o aquecimento global?
Ao reaquecer o imaginário da corrida espacial, eles vendem a ilusão de que o corpo humano não teria limitações. A promessa de contornar o impossível é valiosa mercadoria simbólica. Ela ativa a onipotência infantil latente em todos. Eles vendem mitos, a terra prometida, um lugar no céu para ser feliz.
Quando é que voltaremos a ser adultos e não confundir filmes com a realidade?