Em uma casa de festa, no aniversário de uma criança, encontrei um simulacro de torta. Era uma estrutura cilíndrica de madeira, pintada de forma a imitar glacê. A torta falsa era um mero castiçal. Apoiava a vela colorida em forma de número. Aliás, recurso útil para os distraídos quanto a idade, e o gênero, do festejado.
Mas onde estava a verdadeira torta de aniversário? Esse é o ponto, não estava. Soube que não se usa mais torta em aniversários infantis. E, se houver, ninguém a quer. O tesouro de açúcar está nos docinhos dispostos ao redor. Cada um pega com a mão, logo, não necessita louça e talheres.
Desiludido, só não fui embora porque havia a promessa de cachorro-quente. Tentei iniciar um protesto, mas me dei conta que estava sozinho. Naquele dia descobri que vivia em outra era. Vingou um mundo onde a torta estava desempregada. Ao menos, nos casamentos, ela ainda é feliz e respeitada.
Lembrei dos aniversários de quando era criança. A torta era o momento champagne da festa, sua imponência alva era a promessa da melhor iguaria. Depois do parabéns, era cortada e compartilhada por todos. Os docinhos eram meros subordinados da torta rainha.
Enquanto era cortada, o assunto era quem a fez. Afinal, toda família tinha uma doceira requisitada para essas ocasiões. A questão não era só o recheio, a arquitetura do reboco em glacê valia pontos. Apesar de poucos ingredientes básicos, pão de ló, merengue, variações de frutas, nozes e cremes açucarados, a questão era de engenharia, como manter o formato com umidades diferentes entre as camadas? E nos dias de calor insano, como evitar que tudo viesse abaixo?
Embora aprecie tortas, não é esse o ponto. O que me faz falta é a comunhão do objeto de doação. A torta era preparada com esmero, esperada, partilhada e todos a comiam. Estávamos unidos por saborear o mesmo prato. O momento fazia parte da celebração, ao relembrar que alguém veio ao mundo, e foi amorosamente adotado.
Comer juntos, sentar-se à mesma mesa, vem unindo os humanos há milênios. A torta só faz sentido para ser comida em grupo, é um alimento socializador. Já o docinho de festa faz a relação de quem come com ele mesmo. Ele não é partilhável, ele é um átomo alimentar.
O desaparecimento da torta mostra uma pequena perda civilizatória, parente do que acontece nas famílias que já não fazem refeições em comum.