Dias atrás, o mundo do terraplanismo sofreu um terremoto. O youtuber Leandro Batista, que durante seis anos divulgou material sobre o tema, descobriu que a Terra é esférica. O fato chocou parte dos seguidores (150 mil assinaturas) do seu canal: Inteligência Natural. A conversão se deu porque ele foi para Noruega observar o sol da meia noite. Queria mais provas para sua teoria, mas aconteceu o contrário, o fenômeno não podia ser descrito por ela.
Como se explica que Eratóstenes, há 22 séculos, calculou o raio do planeta com extraordinária aproximação, e que hoje, com as conquistas da física, com fotos do planeta desde o espaço, alguém queira retornar a concepções arcaicas?
Se existe um fenômeno complexo, o terraplanismo é um deles. Um feixe de questões envolve o fato, a maioria são repetições anacrônicas de resistência aos descobrimentos elementares da astronomia. Saber que a Terra não está no centro do universo, nunca teve acolhida. Ser apenas mais um planeta acelerou o desencantamento do mundo. O calor consolador do mito, da nossa dita condição especial, foi substituído pela frieza da ciência.
A pedido de Carl Sagan, a Voyager tirou uma foto da Terra estando a seis bilhões de quilômetros. Ele chamou o resultado de “um pálido ponto azul” cercado de um imenso nada. Que o terraplanismo seja uma resposta romântica à nossa pequenez cósmica é óbvio, mas não creio que explique tudo.
Acrescente a Teoria da Conspiração, fenômeno que simplifica temas complexos e de brinde traz a ideia de “a mim ninguém engana”. A pose de ter sacado “além do que nos querem fazer acreditar” dá aura de sábio a quem nunca estudou nada. Terreno propício para o pensamento mítico travestido de ciência.
Acredito que o ponto chave é outro: não tiramos todas as consequências de até onde chegou o individualismo contemporâneo, e o que isso implica. O individualismo extremo infla o ego sem lastro, por isso qualquer um pode acreditar ser grande coisa mesmo sendo ninguém. É isso que possibilita alguém sem formação, acreditar que sua opinião tem o mesmo peso de um especialista. A inflação egoica prescinde do julgamento alheio, o sujeito mesmo julga o que sabe.
Leandro Batista não acreditava em livros, na ciência, nos professores. Para algo valer, só se a majestade de seu ego testemunhar. Como a sabedoria vem da humildade frente ao conhecimento, está virando raridade.