Declarar preferência a um deus é um perigo, você pode ficar mal na foto com os outros. Meu caso é pior, não aumento o prestígio com o escolhido, pois, como me contaram, ele não me tem em grande conta.
Mas vamos ao caso, admiro Odin, o deus caolho da mitologia nórdica. O olho perdido que o marca tem um significado preciso. Quando Odin encontrou Mimir, o guardião da Fonte da Sabedoria, esse exigiu-lhe um olho para poder beber dela. Odin nem vacilou, com uma faca, ele mesmo extraiu de si o pagamento.
Em outro momento, Odin fez um autossacrifício para criar as runas – o alfabeto dos povos germânicos. Ficou amarrado e pendurado de ponta- cabeça na árvore do mundo – Yggdrasil – por nove dias.
Odin cativou-me por demonstrar que a sabedoria custa caro e existe uma dimensão de sacrifício para adquirir o conhecimento. Afinal, ele deu um olho pela sapiência e amarrou seu corpo em uma posição antinatural para obter a escrita.
No processo da aprendizagem, nosso corpo sofre porque é preciso domá-lo. Não existe uma inclinação natural para sentar-se por horas olhando para símbolos. A expressão “cu de ferro” para o estudante dedicado está ligada à persistência, no caso, ficar sentado por muito tempo.
Odin é mais honesto do que certas abordagens pedagógicas que levam a crer que seria possível adquirir conhecimento sem esforço. É certo que existe quem goste de estudar, mas é mais a exceção do que a regra. O homem tem uma curiosidade inata, mas mantê-la em funcionamento ao longo do tempo é difícil.
A escola antiga sabia das resistências ao estudo, por isso impunha disciplina severa. Sem saudade dela, o outro extremo é problemático: a ilusão de que, fazendo a estimulação correta, poderíamos aprender sem esforços.
Os professores não caem nessa cilada, mas muitos pais sim. Querem uma vida sem arestas para seu filho. Querem que seja tratado na escola como em casa: como príncipe. Querem que ensinem seu filho sem cerceá-lo em nada.
Some isso ao uso de telas. Crianças usando aplicativos programados para viciar, que são recompensadas apenas por estarem ali, submetidas a um bombardeio perceptivo, com troca constante de foco e esforço zero para seguir adiante. Como será o futuro cognitivo delas? Se não as ensinarmos a focar, e a pensar com profundidade, quem fará isso?
Gostaria que fosse diferente, mas o conhecimento custa o olho da cara.