Aprendi na carne, ou melhor, no tendão de Aquiles, uma triste verdade. Parar de jogar futebol dói mais que a lesão. Os homens pouco falam da triste despedida dos gramados. Preferem sofrer em silêncio. Tomara que as mulheres, que agora jogam, tenham palavras para isso no futuro.
Não existe idade para o infortúnio, pode ser na faixa dos 20, como na dos 60, mas um dia ele chega. Em comum, a parada se deve ao encontro com o limite do corpo, via de regra na forma de lesões. Descobrimos que ser de borracha é um privilégio da juventude.
Moer o joelho é o símbolo desta desgraça. Porém, os revezes são múltiplos, estouramos um músculo, ou tendão, de que nunca tínhamos ouvido falar. Geralmente é algo como: a cirurgia foi recomendada porque uma ruptura parcial dos tendões isquiotibiais, desequilibrou o virabrequim, forçando a biela, que então, quebrou a parafuseta que prende a rebimboca na coxa. Ou algo parecido, igual ninguém entende. E nem é grave, só dói ao andar.
Depois da lesão, vem a fase da insistência. Meses de fisioterapia nos deixam aptos para recomeçar a ter lesões. Em seguida chega a fase “eu vou embora”, quando nossa esposa, ou namorada, não aguenta mais levar-nos para emergências de traumatologia, e os plantonistas nos conhecem pelo nome.
Frente às justas ameaças de separação, pois as sobrecarregamos, iniciámos a doída aceitação. Sofremos por uma mistura de sentimentos, começando por assumir a idade da certidão de nascimento. Jogando voltamos a ser meninos e durante a partida não existe outro mundo.
Perdemos uma maneira de usar o corpo, talvez o melhor contato com nossa inteligência corpórea. Quando uma bola espirrada chega forte, girando, quicando, não sabemos o que fazer, mas o pé sabe.
Como em qualquer esporte, no futebol vamos aprendendo, pensando as jogadas, repetindo, imitando, até que em um momento o corpo decola e prescinde do pensamento. Sentiremos falta do momento assombroso de sentir o improviso nos dirigindo, como se uma entidade nos usasse para jogar.
É durante a possessão pelo espírito do futebol que surge a ginga, o drible. Jogar é prazeroso por nos conectar com outra forma de ser, nos sintonizar com a forma mágica do nosso eu. Por isso, os meninos não conhecem o cansaço, só param de jogar quando o entardecer desliga o sol.
Parar de jogar futebol fecha a última porta da nossa infância.