Mário Corso

Mario Corso

Mário Corso é psicanalista e escritor. Passo-fundense adotado por Porto Alegre. Formado em psicologia pela UFRGS, trabalha com adultos e adolescentes.

Em família
Opinião

Almoço de domingo

Um diálogo do nosso cotidiano

Mário Corso

Irmã I: – Gente, o Leo pediu para pôr um prato a mais. Ele foi buscar alguém.

Mãe: – Quem?

Irma II: – Mãe, é óbvio, alguém com quem ele tá ficando.

Mãe: – Ontem te vi espiando ele teclar. Eu sei que sabes. Quem é?

Irmã I: – Não vi.

Mãe: – Tu não sabes mentir, fala. É aquela colega, a Rita?

Irmã I (demora para falar): – Tava longe. Acho que li: “Te amo, Toni. Bjs”.

Silêncio constrangedor na sala.

Tia: – Amo meu sobrinho, não existe menino mais doce e inteligente. Ele é um presente de Deus na nossa vida. Mas ele é diferente, não é? 

Irmã I – Tia, o “diferente” é porque o Leo tem interesses não convencionais.

Tia: – Eu não acho um problema. Só que ninguém nunca viu ele com uma menina. É uma constatação.

Avó: – Eu sempre soube. É essa educação sem limite que vocês dão. Passa creme no rosto antes de sair. Deus que me perdoe, feliz é o Armando, que tá morto.

Irmã I: – É protetor solar, vó, você entendeu errado.

Vó: – Vocês duas chamavam ele para brincar de boneca. Vão negar? Ele era pequeno e trocava roupa de boneca. Eu vi.

Irmã I: – Vó, isso é preconceito.

Irma II: – Mãe, tu tá chorando?

Mãe: – Não, é só uma alergia no olho.

Irmã II: – Alergia contagiosa, olha a cara do pai.

Pai: – É difícil entender o Leo.

Irmã I: – Pelo amor de Deus! Em que época vocês vivem. Não estou reconhecendo minha família. Liberais é só no Instagram? 

Avó: –Se essa família me escutasse…

Tio: – Na nossa época era diferente, meninas. Não é que eu não aceite…

Mãe (atropelando a fala do irmão): – O Leo morava no quarto das meninas. Sempre na volta delas. Eu pedia para “este que se diz pai” jogar bola com o filho pelo menos uma vez na vida.

Pai: – Tava esperando, sou o culpado de plantão. P*! O guri sempre foi assim. Não gosta do que eu gosto. Dorme vendo futebol. Diz que MMA é a prova de que viemos dos macacos. Assisto à Fórmula 1 com um ecologista sapateando no meu saco, só fala da poluição dos carros. De pequeno, o Leo só queria falar dos livros das meninas, dos jogos das meninas.

Irmã I: – Os livros “das meninas” são Harry Potter, Jogos Vorazes, Senhor dos Anéis, Duna. Uma revelação, pai: Minecraft não foi criado pela Barbie. Vocês se dão conta de que estão pensando no Leo como um problema? 

Barulhos à porta.

Leo: – Bom dia, vó! Bom dia, família! Esta é a Antônia. Ou Toni, para os de casa.


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