Nunca saberemos o que realmente levou a influenciadora Karol Eller a tirar sua vida. Os suicidas levam o segredo de qual fonte de sofrimento foi a decisiva. É lamentável a perda e devemos seguir pensando em como evitar mais suicídios
Há um mês atrás, Karol anunciou nas redes sociais sua cura gay. Por que anunciar? A intimidade foi uma construção social feita ao longo dos últimos séculos. Parece que agora vivemos um retorno a uma condição anterior.
No medievo só havia vida pública, poderia haver segredos, mas como costume geral, todos sabiam de tudo das vidas uns dos outros. Não compare a uma cidade pequena: ali todos sabem de tudo, mas por fofoca, são assuntos que não podem ser falados em público.
As redes sociais ajudam e constroem essa tendência à vida transparente. Tudo é partilhado, o sujeito voluntariamente fofoca-se. Faz parte do vazio filosófico atual. Na falta de pensamento sobre o que é o mal, estariam do lado do bem, os que tivessem uma moral sexual impecável.
Como fica a vida dos que têm pouco a postar, ou uma vida não conforme ao cânone do supostamente correto? Qual o impacto deste mandato de mostrar-se na construção da infelicidade? O olhar de Deus que tudo via e julgava foi terceirizado para as redes.
Karol disse ser uma gay curada. Falar na rede é como firmar em cartório. Seu fracasso em manter-se “curada" decepcionaria a torcida. Atraiu uma pressão perigosa sobre si.
Dá para entender quem busca a cura gay. É um sujeito envergonhado com seu desejo sexual, que quer ajuda para conciliar o inconciliável - mas ele não sabe disso ainda. Aqui entra o lado perverso: aqueles que lhe vendem a ideia da possibilidade de mudar seu objeto de desejo.
A postura correta é ajudá-lo a pensar o que fazer com isso. A decisão será dele. Não existe uma forma certa de lidar. Se uma pessoa quiser uma vida clandestina e fazer disso seu segredo; o dever do terapeuta se restringe a mostrar o preço psíquico que pagará pela alienação de si.
Existe pressão social para o gay sair do armário e viver uma vida plena, uma vida instagramável. Mas é difícil para quem vive numa comunidade religiosa que não tolera esta condição. Karol teve este conflito, pois afirmou nas redes que deixou a vida de pecado para viver em Cristo. “Perdi a guerra” foram suas últimas palavras.
Não há cura para ser gay porque não é doença. Neste caso, foi a cura gay que criou a doença.