Faça um exercício, procure uma obra de ficção científica – fora os Jetsons – que imagine um mundo melhor do que o nosso. É praticamente impossível. Não conseguimos sonhar que a humanidade melhore. As distopias dão o tom da ficção atual: o mundo rodaria para trás, as quinquilharias tecnológicas não nos salvariam do pior de nós mesmos.
Nos índices mensuráveis, o mundo está melhor do que parece, embora estejamos longe do que gostaríamos. Vivemos mais tempo, temos acesso a mais bens materiais e artísticos do que antes. As chagas sociais como escravidão, racismo, opressão das mulheres e minorias vêm diminuindo, demasiado lento, mas expressivamente. Uma família média atual vive muito melhor do que uma família real medieval. Só não evoluímos no valor da desigualdade: cada um de nós se valoriza pelo que falta ao próximo. Medir-se com seus pares é tudo que alguns fazem na vida.
Assimetrias sociais e econômicas são comuns desde o advento da agricultura. Faz aproximadamente 10 milênios que vivemos assim. Já sonhamos em apagar essas diferenças, algumas crenças políticas focam a origem do mal-estar nesse ponto. Hoje nem a utopia socialista parece angariar esperanças.
Entendo o mal-estar presente, o mundo não está nada confortável, mas como é possível andarmos para um lado e imaginarmos estar indo para outro? A ficção seria a hipérbole do presente ou apontaria algo mais? Ela apenas nos diz que o progresso tecnológico não melhora as relações humanas?
Eu credito parte do mal-estar contemporâneo à velocidade do presente. A revolução digital desacomoda todos. Os computadores possibilitam progressos em todos os setores. Mas quanto progresso/mudança pode uma geração suportar? Quando nos acostumamos com uma tecnologia ou novos hábitos, eles já não são mais estes e sim outros.
Os antropólogos fazem a distinção entre sociedades frias, onde as mudanças entre cada geração são imperceptíveis, e as quentes, que a cada geração produzem mudanças significativas. Será que não poderíamos falar em sociedades ferventes, como a nossa, onde a mudança é constante?
O cansaço com a mudança permanente pode produzir um ódio à modernidade. Ele faz sintoma invertendo o sinal: o mundo é pensado em declínio, mudando para pior. Para esses cansados, os bons tempos estariam no passado, viveríamos uma época de corrupção moral e decadência.
A bruxa por trás dessas transformações inevitáveis seria a ciência, que resulta em tecnologia e abolição de velhas crenças sobre o humano. Só neste pânico da modernidade, nessa nostalgia retrógrada, é possível entender a tolice da recusa às vacinas. Nada salvou tantas vidas como o conjunto de vacinas que tomamos desde crianças. Quantos estamos vivos graças a elas? A ingratidão às vacinas é o auge da história universal da infâmia.