Assistia a um teatro na escola das filhas. Ao final, cada aluno apresentava-se e enunciava uma característica sua antes de descer do palco. Sou Fulano e estou aprendendo a tocar violão. Sou Beltrano e torço pelo Grêmio. Sou Sicrano e ganhei um irmãozinho.
Na sua hora, um menino saiu-se com essa: meu nome é Pedro e meus pais não são separados. O auditório veio abaixo em risos. A piada involuntária dizia de todos. O menino se via como exceção em algo que já fora uma regra. Ele percebeu que seus colegas vinham de famílias recompostas, menos ele. Logo, esta era sua marca.
Considero minha mãe uma pessoa vencedora. Pouquíssimas mulheres da geração dela fizeram curso superior. Trabalhou, teve seus filhos, foi feliz no casamento. Ela não tem lembranças ruins de sua vida adulta, mas quando recorda a infância, não esconde as mágoas. Meus avós se separaram. Ela e sua irmã eram as únicas do colégio nesta condição. Ela era o Pedro do seu tempo, na situação oposta.
Naquela época, o casamento era sagrado, e dissolver a união, impensável. Quem dava sorte tinha um bom casamento, senão deveria resignar-se com o matrimônio infeliz. Como a humanidade é a mesma, gente que nem sempre acerta em suas escolhas, o resultado era um grande número de casais tristes vivendo de aparências.
Na adolescência acompanhei o debate sobre a aprovação da lei do divórcio. O país estava dividido. A passionalidade desmedida lembra a questão do aborto de hoje. O argumento era que, passando a lei do divórcio, a família acabaria. Isso seria a porta de entrada para o resto da tragédia, só comparável às 10 pragas do Egito, mas vindas todas juntas.
Levamos quatro décadas para assimilar e normalizar a situação de que um casamento pode não dar certo e, uma vez desfeito, não há inversão dos polos magnéticos da terra e nem os deuses se sentem ofendidos. Hoje, não raro, mesmo as pessoas que defendem a família têm mais do que um casamento.
Mas todo esse lero é para lembrar que a humanidade transforma-se, e que é inútil tentar segurar mudanças que apenas legalizam o que boa parte da comunidade já aceita. O problema é que é lento, demasiado lento. Leva-se mais de uma geração para realmente assimilar uma nova situação. Hoje um filho de um casal separado sofre, afinal, é muito doído ver que o amor que o fundou não existe mais. Mas socialmente não há marca alguma.
Hoje os dramas discriminatórios são outros, mas os times são os mesmos. Nos digladiamos sobre como lidar com as diferenças humanas. Ou aceitá-las e banir nossas normas pétreas, ou exigir leis férreas para encaixotar o humano num padrão supostamente superior. De qualquer forma, quanto aos que hoje estão afoitos por mudanças, lembrem que tudo relativo aos costumes muda devagar, mas sempre. Não exijam dos homens o tempo da máquina.