O caso é clássico. Qualquer colega já se encontrou com um desses. Nos chega um paciente deprimido e ao mesmo tempo estupefato com seu estado psíquico. Ele não acreditava que depressão existisse. Logo, nunca iria acontecer, muito menos com ele.
No senso comum popular é assim que a depressão é tratada. Você já deve ter ouvido: depressão é frescura, coisa de gente sem o que fazer, desculpa de preguiçoso. As variantes são múltiplas: sinal de quem está longe de Jesus, ou, ainda, quem tem boleto para pagar não tem tempo para se deprimir. E assim segue o baile, mil formas de negar que ânimos depressivos seriam legítimos. O cerne do argumento são variações da mesma nota: indolência, falta de vontade, mimimi de fracote.
Antes de iniciar o trabalho com os deprimidos incrédulos, é preciso desfazer a culpa que eles têm por estarem deprimidos. Afinal, segundo o próprio juízo, eles não estariam doentes, seriam na verdade fracos. Ou seja, colocam seus problemas subjetivos no campo moral, na esfera de uma vontade anêmica. Estariam errados por entregarem-se à passividade.
Pois assim é a vida. Um dia, sem anúncio e sem explicação, chega uma vaga melancólica e dá uma rasteira no incauto incrédulo da depressão. E só então o sujeito acorda para uma dimensão da possibilidade humana, ter uma tristeza que não passa, que não se sabe nem de onde veio e nem como livrar-se dela.
A condição depressiva é alguém na contramão atrapalhando o trânsito. Ninguém gosta dele, afinal, lembra da nossa possibilidade de falência, da fragilidade dos laços com a vida e com os outros. A depressão é o avesso da lógica da produção pela produção, talvez por isso seja tão malvista.
A depressão não é uma praga aleatória, contagiosa e sem lógica. Apenas não se deixa decifrar fácil. Está ligada ao sentido que damos para nossa vida, ao que queremos para nós e ao que os outros querem, ou supomos que querem, para nós. Quem nunca filosofou vai ter mais dificuldade, pois só a medicação não basta, é preciso refundar-se, achar bons motivos para religar-se aos outros e para retomar o gosto pela vida.
O problema é também de nomenclatura. A depressão é um saco de gatos para o mal-estar da vida. Cabe quem não consegue se levantar da cama pela manhã. Como também cabe quem consegue, mas vive uma vida vazia, em um tanto faz eterno, marchando de qualquer jeito pois é a ordem, apenas esperando o dia da morte.
O que pasma nessa história é a incredulidade. Diante de mil evidências ao redor, só acreditamos no sofrimento depressivo depois de sentir na nossa alma o gosto amargo da falta de sentido. O espírito do nosso tempo não deixa brechas para fraqueza. Nossa vida é mais um produto na vitrine de tantos objetos para comprar.
E se não der certo, o chicote chega rápido, pela nossa própria mão.