Quando comecei a escola, os dinossauros já estavam extintos e terminara a Guerra do Paraguai. Era um costume da época colégio de meninos e colégio de meninas. Não tive uma colega menina até o científico, hoje chamado segundo grau.
Repentinamente, tudo mudou. Os colégios viraram mistos. Ótima notícia, mas eu tinha questões prementes: como conviver com elas? Não houve curso preparatório. Ninguém me ensinou como elas eram, nem como deveria me comportar.
Estava tão entusiasmado quanto angustiado. Não bastasse, troquei de escola. Chegaria na nova turma como para um outro mundo.
Em um golpe de sorte e audácia, na primeira aula, sentei na classe com uma das meninas mais bacanas e charmosas.
Eu já percebia que somos conservadores. Onde as pessoas se sentam no primeiro dia, geralmente permanecerão até o fim do ano.
Conhecia a Raquel de longe, por amizade dos nossos pais. Então não foi tão difícil. Como ela era mais velha – entrei cedo, sempre fui o tampinha da turma, era comum colegas dois anos mais velhos –, não corríamos o risco de pisar no terreno pantanoso da sedução.
Deu certo a parceria. Eu estava contente por enfim conhecer o universo das meninas. Como elas são? O que pensam? Onde habitam? Como procriam? Feliz por prestes a decifrar os mistérios desse amável povo com quem compartilhamos o planeta.
Numa segunda-feira, Raquel chegou com os olhos muito vermelhos. Parecia ter chorado toda a noite. Não havia como não indagar o acontecido.
Ela me diz seco:
– Dormi com o Rímel. – E já emendou: – foi horrível.
Não estava preparado para tal revelação. Tanta intimidade, assim repentinamente. Nem lembro minhas palavras de consolo. Certamente foram comedidas, pois não sabia como reagir.
Tampouco lembrava quem era o Rímel. Cogitei que talvez fosse do turno da noite. Esse “foi horrível” era uma denúncia de abuso? Ou seria algo consentido? Deveria fazer alguma coisa? Reunir os amigos para dar um chega pra lá nesse safado do Rímel? Qual o status da relação deles?
No recreio, sem comentar o assunto, tentei me informar sobre o Rímel. Nenhum dos comparsas conhecia.
Na volta, Raquel está contando para a vizinha de classe da frente. Que revelou: “Comigo também já aconteceu”.
Peguei a conversa pela metade, mas parecia que o mesmo sujeito, o tal de Rímel, estava envolvido no episódio. Esse é pegador mesmo, pensei.
Me senti intimidado. Elas tinham mais estrada em assuntos íntimos. E mais coragem para falar também.
Quando uma terceira menina entrou no assunto, incrementou minha confusão. A mãe dela trouxera dos Estados Unidos um Rímel que não dava alergia.
Escutando atentamente a conversa delas, caiu a ficha do abobado. Rímel era da gramática da maquiagem.
Moral da história: em uma expedição antropológica, é preciso conhecer em detalhes a língua nativa.