No mês passado, pais de púberes de uma escola particular em São Paulo pediram para trocar a versão de um livro recomendado aos alunos. Tratava-se de O Diário de Anne Frank. Queriam a volta da edição antiga, sem alguns trechos em que ela falava de sexualidade. Esses pais querem poupar seus filhos de precoces informações sobre sexo. Se a intenção é boa, o resultado é uma tolice: revela profunda desconexão com a realidade dessa geração.
O Diário de Anne Frank é um livro para todos. Melhor ser lido na juventude, porque o leitor depara com um igual na percepção de um mundo cruel e incompreensível, mas os adultos tampouco saem de mãos vazias, afinal, um dia sentiram o mesmo. A autora narra sua vida confinada num esconderijo para escapar da perseguição nazista. Não teve final feliz, ela morreu em Bergen-Belsen, campo de concentração na Alemanha. Porém seu diário foi encontrado e publicado por seu pai, o único dos oito habitantes daquele refúgio que sobreviveu.
As referências à sexualidade são um detalhe do livro e revelam o que qualquer menina dessa idade tem na cabeça. Sinceramente, se for para ter um encontro com ideias sobre a sexualidade, as deste livro são o que de melhor poderia acontecer aos jovens curiosos pelo tema. A realidade é bem outra. Hoje a internet conecta qualquer um a conteúdo sexual peso-pesado com três toques de tela. E, como somos uma sociedade que ainda trata sexo como tabu, o conteúdo de fato disponível é a pornografia. Preocupar-se com livros chega a ser cômico.
Temos que enfrentar duas questões. A primeira é que não temos uma tradição de trazer essa discussão para os jovens, portanto dispomos de poucas boas obras sobre o tema. Segundo, como tememos o sexo, não constituímos uma arte erótica. Civilizações que não passaram pela máquina de amaldiçoar a sexualidade, como nossa tradição judaico-cristã, possuem. A pornografia é sintoma direto da ausência de uma forma artística de representação positiva da sexualidade. Como deixamos o terreno baldio, ela fez raízes e hoje é “professora” sobre assuntos de sexualidade. Como nos lugares sem escola, aprende-se com os aventureiros e transgressores locais.
Somos uma sociedade doente em relação à sexualidade, transmitimos aos mais jovens nossos medos, ao invés de ajudá-los a se orientar. Na prática, os principiantes do sexo vão garimpar informações com amigos, às vezes tão desinformados quanto eles, ou na internet, onde o que mais se encontra sobre o tema é lixo, que confunde erotismo com violência e subjugação. Precisamos parar de fugir do assunto e passar informações que respeitem o tempo e a curiosidade dos pequenos. Eles não vão parar de procurar, tampouco vão esperar, porque sabem que ser adulto é ter acesso a outra dimensão da sexualidade e eles querem crescer.