Giovanni Bordoni, pulava de cidades e profissões. Sua única constância era a fama de sedutor. Não podia ver um rabo de saia, que começava o galanteio. Um desses homens situados na tênue fronteira entre o encantamento e o importuno que provocam nas mulheres.
Porém, hábitos de Don Juan podem custar caro.
Ainda mais em Siena, no século 18. Na época, nenhum homem tolerava que as mulheres sob sua guarda fossem abordadas por um inconsequente.
Certa vez, o plano de Giovanni de mudar de cidade com um de seus amores secretos foi descoberto. Na interceptação do casal em fuga, quando pediram que se rendesse, houve uma briga. Reagindo, foi ferido na perna. Coisa feia, a ferida gangrenou e ele morreu dias depois, sofrendo muita dor.
Ossos do ofício, dirão alguns. Não há esporte mais perigoso do que meter-se com a mulher alheia. Mas o causo tem uma volta a mais.
No hospital, aos cuidados de uma freira, ele contou seu segredo. Aliás, ela não demoraria a saber, já que para proceder aos cuidados teria que despi-lo. Giovanni nascera com um corpo de mulher.
Seu nome de nascimento era Caterina Vizzani, filha de um carpinteiro de Roma. Desde cedo sabia de seus desejos. Apaixonou-se pela sua professora de bordado, a primeira de uma série de desencontros amorosos com a sociedade. Anos depois, saiu de Roma com roupas de homem e viveu oito anos como Giovanni.
Essa história ficou bem registrada porque um cirurgião e professor de anatomia, Giovanni Bianchi, sabendo do caso, realizou uma autópsia e escreveu um livro. O intento era pesquisar as fontes orgânicas do “problema”. Foi sincero ao dizer que não encontrara nada de anormal nos órgãos internos femininos que explicasse tal comportamento.
Provavelmente o leitor começou o texto antipatizando com o jovem. Agora, o sentimento ficou embaralhado. Giovanni era uma vida que pulsava na busca do amor das mulheres, que, por outro lado, lhe fornecia uma identidade de como realmente se sentia. Tenho simpatia pela sua coragem.
Trago o caso para mostrar que questões de gênero não são um produto da nossa época. Desde quando temos documentos, existem casos de divergências entre o corpo biológico e identidade sexual.
Paira a ideia de que hoje a família estaria enfraquecida e isso confundiria a cabeça dos jovens, que então “optariam” por estranhos caminhos. Aliás, foi o que disse o ministro da Educação na semana passada. Não é isso, não ocorrem mais casos, temos é maior visibilidade. Antes eram vidas invisíveis, clandestinas, ou totalmente reprimidas. Hoje a pluralidade da condição sexual humana, gostemos ou não, tem mais possibilidade de se mostrar.
Giovanni nasceu como você, sem condições de escolher como amar e como ser. Pense nisso antes de julgar alguém.