Se você pensa que sua vida não está fácil, não imagina a dos escritores, especialmente os iniciantes. Está cada vez mais difícil conseguir um personagem. Reunir uma dúzia para montar um romance, então, é quase impossível.
Se o escritor é famoso, os personagens sabem que o destino é certo, que serão conhecidos, então embarcam na fantasia. Mas para quem está começando, e tudo é aposta, as negociações são duríssimas. Quando se consegue um bom personagem, ele traz junto uns cupinchas sem a menor densidade, e você não sabe como e onde usá-los.
Claro que personagens clichês dão sopa e consegue-se barato, mas ninguém vai longe com eles. Não há trama, por melhor que seja, que engate com heróis sem profundidade. Sem falar do problema da máfia russa, que faz contrabando de personagens e, ainda por cima, sendo a maior parte falsificados. A novela já impressa e só então ele descobre que a heroína inglesa na verdade é búlgara. Percalços da vida de escritor...
Aprendi isso e muito mais no genial: Escrever Ficção – um manual de criação literária, do Luiz Antonio de Assis Brasil. Um livro que desborda o tema. Foi escrito para ensinar a escrever ficção, mas é igualmente útil para acurar a leitura. Além disso, de inhapa, para aprendermos a ser menos chatos quando contamos nossas histórias.
Sim, estamos sempre contando histórias, as nossas, da nossa vida. Você pode escolher aprender a contá-las melhor ou seguir sendo maçante. Afinal, tem quem consiga nos fazer rir e nos ensinar algo com a descrição de uma ida à feira; e tem quem esteve em todos os lugares bacanas do mundo e não consegue nos transmitir 20 centavos da magia que testemunhou. Tudo depende da amarração da narrativa, e esse é um livro sobre narração e seus segredos. O que vale para a escrita pode ser transposto para a fala.
O livro é um condensado das aulas e da experiência do autor durante décadas de ensino de escrita criativa. Boa parte da nova safra de escritores gaúchos saiu dessa oficina. Quem não pode ter essa experiência ao vivo encontra nele excelentes pistas de como tudo se deu e se dá. Assis Brasil segue na ativa na PUCRS.
Há uma filosofia própria do autor na obra: ser ficcionista é uma forma de exercer nossa humanidade. É isso que faz o livro sair outra vez do seu campo, pois planta ideias sobre a condição humana, sobre como a ficção tanto nos traduz como nos constitui.
O que faz um escritor ser um escritor? Leia o livro para saber. Posso adiantar a minha tese: tudo começa quando um sujeito descobre que seu dom na vida é mentir.
Se ele for um escroto, descortinam-se mil possibilidades rentáveis; mas se ele for de boa cepa, não lhe resta senão ser escritor. Portanto, um escritor é um mentiroso com caráter. Sua arte faz do falso algo mais real do que o verdadeiro.