A morte de Antônia em um acidente de carro foi minha primeira dor sem consolo. Passava semana que não sabia dela quando Carol ligou aos prantos para contar.
Fomos todos colegas durante anos. Eu tinha uma queda por Antônia e fiz investidas nunca correspondidas. Éramos, cada um a sua maneira, desses que não se destacam, figurantes menores da turma de adolescentes. Antônia nunca namorou ninguém. Era de poucas palavras, tímida, quase invisível. Talvez ela tivesse a esperança, que eu já perdera, de que alguém do primeiro escalão dos populares viesse a interessar-se por ela.
Um mês antes de morrer, Antônia segredou a Carol, sem dar detalhes, que estava interessada em alguém. Quem seria? Por certo eu não. Este segredo foi junto para o túmulo. Porém a investigação colocou-me como suspeito. Quando dias depois Carol, com mais testemunhas, inquiriu-me a respeito, não contive o choro. Disse que não conseguia falar do assunto. Minha recusa e as lágrimas consolidaram a suspeita. Tornei-me viúvo sem nunca ter sido nada.
Não criei a mentira, ela instalou-se. Confesso o prazer secreto da vingança. Antônia não me quis e agora não podia fazer nada. Como atenuante, digo que ninguém merece morrer sem ter tido namorado. Tive a certeza quando a mãe e a irmã vieram me visitar passados uns meses.
Um livro com meu nome, encontrado no quarto dela, acabou sendo a prova material do boato. Vieram devolver meu exemplar de Mochileiro das Galáxias e compartilhar a dor. Eu representava um fiapo real de conexão com a familiar perdida. Agora meu status era oficial e aceito pelas famílias. A melancolia habitual que me ronda ganhou uma desculpa concreta. Meus pais me deram uma folga de suas perguntas sobre minha natural inação.
Passei a ter monólogos imaginários com Antônia. Dizia que para a família dela era melhor saber que alguém, além deles, a amava. Que era uma mentira boba, que as colegas inventaram algo para seguir falando dela. Pedia que ela compreendesse que era nossa maneira, ainda que torta, de assimilar o impossível do seu desaparecimento. Antônia seguia calada como fora em vida.
Fiquei mais conhecido. Mas o caso não acrescentou um grama no meu desempenho com as meninas. Eu era da Antônia na cabeça delas. Ninguém queria se medir com uma morta. Ganhei amigas e confidentes. Mas quem, nessa idade, quer amigas e confidentes...
Foi preciso sair do colégio para desembarcar dessa narrativa que fugiu ao controle. Porém, a cada virada de ano, aniversário de quando ela se foi, tenho meus dias de Antônia. Uma tristeza aguda e as lembranças de tudo o que não aconteceu me invadem. Meus outros amores não esvaziaram as saudades do que com Antônia poderia ter sido.
PS: História emprestada. Outra cidade, outros nomes.