Voltou o assunto dos supostos túneis nazistas de Ibirubá. Como podem perder tempo com essa dúvida? É claro que eles existem. E digo mais, muitas outras cidades têm seus túneis de segredos, basta procurar.
Abaixo da terra estão os que já se foram e os mistérios. Tudo que não deve ser mexido está guardado a sete palmos. Pegue uma pá e vá lá cutucar. Mas cuidado com o susto, esse é o perigo da missão.
Essa buscas embaralham história com mito. Pessoalmente escolho o segundo. Ele é mais mágico, mais rico, e diz mais de nós do que a realidade.
O fato é que procurar nazistas no solo gaúcho é caçada certeira. Temos uma grande imigração alemã e é bom lembrar que tardamos para escolher o lado. Enquanto a guerra iniciava não se sabia para onde iríamos. O que conhecemos hoje sobre o delírio nazifascista não era claro então. Não soava como a civilização versus barbárie, que hoje parece óbvio, era a escolha de um lado. Para muitos imigrantes, seguir a Alemanha era um destino tanto possível como desejável. Poucos deram-se conta que Hitler destruiria o que eles mais amavam: a fecundidade da cultura alemã.
Antes da guerra, a Alemanha era um império de ideias, uma fonte criativa, um modo singular de pensar. Ali nasceu o Bauhaus, a escola de design que levou a estética à produção industrial. Foi o palco da chegada do expressionismo, com seus traços exagerados para nos esfregar a verdade no rosto. A Alemanha possuía uma tradição filosófica extraordinária e uma literatura riquíssima. Cientistas em todas as áreas, e para meu gosto, a mais rigorosa escola psiquiátrica. Um parque tecnológico florescente e a melhor indústria química do mundo da época.
Veio a guerra e foi-se tudo pelo ralo. A Alemanha pode hoje ser uma potência econômica, mas ainda não retornou a ser o polo cultural ímpar que já foi. Imaginem para nossos conterrâneos germano descendentes o que foi assistir essa derrota. Uma mistura amarga de estar no lado errado com ser duplamente derrotado, tanto de fato, quanto moralmente.
O fato é que procurar nazistas no solo gaúcho é caçada certeira
A segunda guerra desconcerta por ser daqueles momentos em que a razão manca e abre passo para os salvadores da pátria com sua lábia prenha de maldade. Quando o fel é transformado em política e o ressentimento ganha palco. Quando a pauta não é a proposição, mas a guerra contra tudo e todos e a aniquilação do adversário. Quando descobrimos, à custa de sangue, que o ódio corta dos dois lados, envenenando e matando também quem o produz.
O subsolo gaúcho esconde lembranças desses tempos duros. Da época em que alguns flertaram com esse inimigo que odiou tanto, que esvaziou-se de sua humanidade. Os cacos desse pesadelo seguem cortando, pois nunca perdem o gume. Talvez não retornem agora por acaso, e sim por outros ovos de serpentes que estão a chocar.