Philip Roth escreveu no livro Homem Comum: "A velhice não é uma batalha, a velhice é um massacre (…) acontece quando você está mais fraco e mais impossibilitado de enfrentar a luta como antes". Os velhos lúcidos odeiam a expressão "melhor idade" por ser um eufemismo vazio. Melhor idade para tomar remédios, brincam.
Existe dignidade no envelhecimento, podemos levar uma boa vida, mas, que é um massacre, é um massacre. Isso não impede de ser a melhor fase para alguns, quando uma serenidade invade o espírito e fica-se em paz com o destino. Mas a verdade é que dia a dia perdemos nossas capacidades, e esse é o golpe a que Roth refere.
Muitas vezes, o cérebro está bem, mas o corpo não responde como antes. Há um acervo de dores de ontem e de hoje que se alternam em incomodar e limitar. Existe até a piada: se você acordar um dia e não sentir dor nenhuma, alerta, pode ser que você esteja morto!
Mas nem sempre o cérebro está melhor que a carroceria. O envelhecimento pode ser desparelho, com alguns órgãos mais velhos que outros, e quando a cabeça colapsa, é o pior dos danos. O fato é que na velhice precisamos de ajuda e aqui começa o drama: muitos não aceitam ser ajudados.
Danos cerebrais senis produzem perda cognitiva ou desequilíbrio emocional. Esse adoecimento liquida com a autocrítica necessária para reconhecer a impotência e tolerar cuidados. Sim, trata-se de tolerar. Mesmo que a família acolha a fragilidade do seu idoso com respeito, nem por isso ele gostará de voltar à dependência infantil. É de perda de poder que se trata. Pior, da inversão de poder: tornam-se filhos dos filhos, e pode ocorrer que estes aproveitem para ser autoritários, tomando gosto da virada do jogo.
Na contramão dessa dignidade reivindicada, temos os velhos que se tornam bebês. Num narcisismo tardio, só olham para si
Os que compreendem e aceitam ajuda são uma minoria. Na maioria, não fica claro se negam a limitação para negar a idade, ou negam a idade para negar a limitação. Os cuidadores trabalham dobrado, além de ajudar, terão que convencer seus velhos da necessidade das providências que tomam. Feito uma canoa em que o mais necessitado da viagem rema ao contrário.
Eu os entendo, é duro precisar dos outros. É um inferno perder a autonomia. Essa teimosia guarda um orgulho de quem não dava satisfação para ninguém e era forte para remar. A negação é por seguir tentando serem úteis. Não querem a aposentadoria das responsabilidades. Não querem abrir mão de ser o pilar, que já não são. Para esses, aceitar amparo é passar recibo da impotência.
Na contramão dessa dignidade reivindicada, temos os velhos que se tornam bebês. Num narcisismo tardio, só olham para si. Dos outros, cobram os cuidados do passado, e vão aprofundando com gozo suas incapacidades.
Resta lembrar ao leitor que estiver nas lides com seus longevos pais ou parentes: ali adiante seremos nós. Será que vamos de bom grado aceitar ajuda?