Não se fala noutra coisa. A suposta existência de uma rede de túneis monopoliza a atenção dos moradores de Ibirubá. Conversa vai, assunto vem, o papo quase sempre envereda para o mistério que habita os subterrâneos da cidade. Por vezes, tamanha curiosidade acaba se tornando obsessão.
— Por que não abrem as casas e deixam a gente ver? Se não tem túneis, que mostrem — diz em coro um grupo reunido para um happy hour num dos bares mais frequentados do município. Ninguém aceita revelar a identidade, mas todos cobram explicações alheias.
Há alguns meses, dois casarões antigos do centro foram demolidos. Não tardou para que os terrenos fossem varejados por incautos em busca de vestígios de caminhos clandestinos. Na Avenida Getúlio Vargas, a área foi cercada depois que a entrada do que seria uma adega foi logo convertida em "passagem secreta". Na adjacente Rua Flores da Cunha, eles depararam com um buraco no chão, revestido com tijolos e que parecia ter mais de quatro metros de profundidade. Não precisou mais do que isso para logo se espalhar o boato de que, enfim, um túnel havia sido descoberto. Avisados da súbita invasão, os novos donos da propriedade correram para expulsar os curiosos.
— Eu me criei brincando naquela casa. Ali havia uma cisterna, com roldana e balde para puxar água. Era um poço, tinha um tampo em que a gente cortava melancia em cima — desmistifica o farmacêutico Alexandre Eggler.
Os túneis são atribuídos a simpatizantes do nazismo, mas os mais antigos dizem que os rumores podem ter relação com os sucessivos ataques de bandoleiros registrados na região no final do século 19. Para proteger as famílias dos saqueadores, os proprietários teriam construído porões no subsolo das residências. Além de abrigo, o local servia como depósito para armazenar comida e bebida num tempo em que não havia geladeira e permitia uma ventilação que ajudava a evitar que o contato com a terra facilitasse o apodrecimento do assoalho.
— O solo de Ibirubá é muito espesso. Tem pouca rocha, então é bom para cavar, mas não segura um túnel. Além disso, a cidade não tem tratamento de esgoto, então a umidade teria feito tudo desabar — afirma o geólogo Aírton Fritsch.
Há 33 anos atuando na região e com a experiência de quem já fez mais de 10 perfurações no solo urbano, Fristch é cético sobre a existência de uma rede subterrânea secreta. Mas não esquece as histórias contadas pela mãe, Teresa Fritsch, que trabalhou na casa da família do médico Frederico Ernesto Braun, protagonista da maior lenda urbana de Ibirubá. A residência dos Braun, hoje um prédio quase abandonado, de pintura esmaecida e com vidros faltando nas janelas, seria o epicentro dos túneis que cruzam o centro da cidade.
— Minha mãe sempre contou que tinha ordens expressas para jamais entrar no porão — lembra Fritsch.
Aos 71 anos, o jardineiro Ivo Sand jura ter visto a entrada para os túneis. Contratado para trabalhar nos canteiros de flores da casa no final dos anos 2000, ele diz ter encontrado num dos quartos um alçapão coberto por uma capa de concreto.
— Eu vi, mas não tinha como descer. Diz que tinha até um minitanque de guerra ali — exagera.
Oscar Posser dá mais detalhes. O porteiro de 69 anos trabalhou por quase duas décadas na equipe de manutenção do frigorífico Ibi. Nesse período, conta ter sido enviado para limpar a caixa d'água e consertar canos no casarão dos Braun, que havia sido adquirido pelos donos do matadouro.
— Tinha três portas, daí dava num alçapão e descia pro túnel. Era uma escada de concreto, mais de seis metros de fundura. Lá embaixo tinha uma salinha com piso firme, que dava pra três bocas, uma em cada direção. Andei uns cinco, seis metros, tropiquei num tipo de cascalho e dei meia volta com medo que desabasse tudo — lembra Posser.
Procurado por GaúchaZH, o mais antigo herdeiro dos Braun ainda residente em Ibirubá, Ernesto Braun Fredrich, recusou o pedido de entrevista.
— Não, não, não, não, não, não e não — enfatizou, dando as costas à reportagem.
Nenhuma negativa, porém, freia o ímpeto de Clóvis Messerschmidt, jornalista local que persegue o que chama de "o mistério dos túneis de Ibirubá".
— Eu recuei, não desisti.
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