Não há limites em Ibirubá quando se tenta desvendar rumores do passado sobre a suposta existência de túneis secretos usados por nazistas no município. Imbuídos do que consideram missão cívica, alguns moradores chegaram a violar, duas vezes, o túmulo de um médico que foi referência na cidade, cujo nome batiza um dos blocos da casa de saúde local.
Frederico Ernesto Braun morava no casarão em frente à praça central, de onde se suspeita partir a rede de túneis subterrâneos. Filho de alemães natos, ele morreu em 1964, asfixiado pela fumaça do escapamento de um trator na garagem de casa. O velório foi aberto à comunidade, mas no final todos foram convidados a se retirar para que a família se despedisse do patriarca numa cerimônia restrita.
Foi o que bastou para disseminar uma boataria que persiste até hoje. A despeito de o velório ter sido realizado com caixão aberto, corre à boca larga pela cidade que Braun teria forjado a própria morte e sepultado em seu lugar o cachorro de estimação da família, um pastor alemão dado por desaparecido na mesma época.
A armação teria ocorrido para despistar seus perseguidores — os quais seriam, a depender de quem conta a história, agentes do FBI, da CIA, da Interpol, do Mossad (o serviço secreto israelense) ou ainda nazistas remanescentes da 2ª Guerra Mundial. As autoridades americanas estariam em busca de um suposto contrabando de dólares praticado por Braun desde a época que morou nos Estados Unidos. Os espiões israelenses, de nazistas em fuga que o médico teria abrigado em Ibirubá. E os saudosos do 3º Reich queriam de volta dinheiro ou ouro entregue a Braun para facilitar uma escapada rumo ao Chile ou à Argentina. Alimenta essa teoria conspiratória o fato de o médico ter o mesmo sobrenome de Eva Braun, companheira de Hitler até a morte, em 1945.
Assim, em 30 de maio de 2016, chovia a cântaros em Ibirubá quando um envelope foi entregue em uma rádio local. Dentro havia uma carta anônima e cinco fotos da violação do túmulo do dr. Braun, um sarcófago de granito pesando 7,5 toneladas. Numa das fotografias, o violador exibia, ao lado da sepultura aberta, um osso supostamente retirado do caixão.
"Decidi dar uma ajuda pra imprensa e a historia de Ibiruba. Eu e meu filho conseguimos abrir o tumulo do Doutor Braum e pegamos uma prova do que tem dentro. Eu tava no velorio dele e ate hj nao me convemci das cousas (sic) estranhas que aconteceram (...). quero a verdade espero ter ajudado", dizia o texto, cujo trecho aqui reproduzido mantém a grafia original, com erros e sem acentos.
O bilhete indicava ainda que o osso havia sido escondido em um matagal às margens de uma estrada vicinal. Três jornalistas se embrenharam na lama até encontrar a caixa, levada à delegacia pela Brigada Militar. A polícia não descobriu os autores do vilipêndio, mas um ano depois um laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) comprovou que não havia cachorro dentro do túmulo. Tratava-se uma tíbia esquerda humana, com 57,6% de chances de pertencer a um homem com mais de 18 anos e falecido há mais de 12 meses. O defunto teria entre 1,68m e 1,71m, com "predominância de afinidade racial negra". Como Braun era branco, a possibilidade de haver um negro dentro do caixão realimentou a boataria. A ossada agora pertenceria a Nelsindo Dias dos Santos, um guarda-noturno que desaparecera sem deixar vestígios nos anos 1980.
— Não há melhor lugar para esconder um cadáver do que num túmulo — deduz com certeza sherlockiana o jornalista Clóvis Messerschmidt.
Em setembro de 2017, houve nova violação da sepultura. Desta vez, a tampa do sarcófago, de granito maciço, fora jogada ao chão e o caixão parecia ter sido remexido. De novo a imprensa correu ao local, fez fotos e filmou a ossada exposta. Em nenhuma das ocasiões, a família se envolveu. A mulher de Braun e um dos filhos do casal já morreram. As outras duas filhas moram em Chicago e raramente vão a Ibirubá. Coube a Rudi Schweig, presidente da Comunidade Evangélica, entidade que administra o cemitério, providenciar o reparo do túmulo.
— Estava uma confusão, um monte de gente tirando foto e filmando. Fiquei preocupado em segurar o povo. Mas tenho certeza de que não é o dr. Braun que estava ali — diz Schweig, eternizando a polêmica.
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