A suposta presença de seguidores de Adolf Hitler em Ibirubá ganhou relevo nos anos 1970, após declarações do célebre caçador de nazistas Simon Wiesenthal. Autor da captura cinematográfica do carrasco Adolf Eichmann em Buenos Aires em 1960, Wiesenthal deu várias declarações atestando que Martin Bormann, secretário particular de Hitler e eminência parda do 3º Reich havia se refugiado no município. Bormann estaria no bunker onde Hitler se suicidou ao fim da guerra.
— Bormann está no Brasil, onde se submeteu a uma cirurgia plástica que o deixou irreconhecível. Isso foi em Ibirubá, uma colônia alemã localizada no Rio Grande do Sul — disse o agente israelense em 1971.
A afirmação atraiu a imprensa à cidade do interior gaúcho. Em reportagens publicadas em setembro daquele ano, Zero Hora (leia a íntegra no final deste texto) e o jornal carioca Correio da Manhã noticiaram a passagem por lá de um alemão que se apresentava como Hans Sonnenburg. Aparentando 50 anos e viciado em morfina, Sonnenburg teria exibido tatuagens da SS, a polícia secreta nazista, manifestava tendências suicidas e teria admitido a mais de pessoa que havia servido nas fileiras do Exército germânico durante a guerra.
Pelos relatos da época, o forasteiro se hospedou no Hotel Central por pelo menos duas noites, comprou injeções de um analgésico derivado da morfina de Nerzy Eggler na Farmácia Confiança e pediu auxílio ao padre Franz Hümmler, alemão naturalizado brasileiro e conhecido na cidade como padre Chico.
— Conheço esse Bormann por fotografia. Ele nunca esteve por aqui. Toda essa confusão foi feita por causa de outro nazista que passou pela cidade — afirmou o pároco ao Correio da Manhã.
Não haveria por que passar por Ibirubá, muito menos se esconder em túneis. Havia túneis em grandes cidades ocupadas, como Varsóvia. Numa comunidade como Ibirubá, seria mais lógico alguém se esconder no mato.
SAMUEL SCHNEIDER
historiador, autor de dois livros sobre o regime de Adolf Hitler
Todos os interlocutores do suposto nazista já estão mortos. Herdeiro da Farmácia Confiança, Alexandre Eggler diz que a mãe jamais comentou com ele a passagem de qualquer médico da SS pelo estabelecimento. Familiares dos antigos donos do Hotel Central e amigos do padre Chico tampouco dizem conhecer relatos sobre Sonnenburg.
— Nunca ouvi falar nada. É até possível que um ou outro alemão tenha passado por aqui em fuga, mas não há registro — comenta o advogado Lucindo Braganholo, que foi procurador do padre até sua morte em 1975.
Autor de dois livros sobre o regime hitlerista, o historiador Samuel Schneider mora na região noroeste do Estado e considera implausível a passagem de nazistas por Ibirubá, uma cidade de 20 mil habitantes onde a presença de estranhos logo seria percebida. Para Schneider, nem mesmo a existência dos túneis soa verossímil.
— A maioria dos nazistas que passou pela América do Sul foi para o Chile e a Argentina, que não declararam guerra à Alemanha e tinham tradição pangermânica. Eles buscavam fluidez, estavam em constante deslocamento. Não haveria por que passar por Ibirubá, muito menos se esconder em túneis. Havia túneis em grandes cidades ocupadas, como Varsóvia. Numa comunidade como Ibirubá, seria mais lógico alguém se esconder no mato — salienta.
Memória
Leia reportagens sobre o tema publicadas por Zero Hora em 1971:
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