A última da sinistra Damares, aliás, ministra, é um vídeo no qual ela nos alerta que a princesa Elsa, do filme Frozen, seria gay. Ela viveria em um mundo gelado, de onde espera sair para dar um beijo na Bela Adormecida.
O que há de novo na princesa Elsa é que ela prescinde de um príncipe para ser quem é, essa é a sua revolução. Os príncipes do filme não ajudam, um é pateta, outro um traidor interesseiro. Creio que aqui está a pedra no sapato para quem quer um mundo tradicional, como nos velhos tempos, quando as mulheres só existiam socialmente com aval masculino. Como assim, os machos não serem protagonistas na vida de uma mulher?
Mas o passo a mais, a questão gay, só existe na cabeça torta de quem enxerga rastro do diabo em cada manifestação que fuja dos estereótipos de gênero. Elsa é apenas uma heroína, bem feminina aliás, que resolve os problemas de sua saga sem um príncipe. Disso não se deduz quem ela vai amar, ou como vai desejar. A mensagem é: meninas, não esperem um homem para resolver sua vida, vá e faça, vocês têm poder.
O que, sim, existe decorre dos fãs que sugeriram, na anunciada continuação do filme, que Elsa assumisse ser gay. Seria então a primeira princesa nessa condição. Se os estúdios Disney darão esse passo é pura especulação. Não há nada no filme que leve a isso. O certo é que a mera possibilidade já desperta desconforto. E se ela viesse a ser gay, qual o problema?
Para Damares, uma personagem gay instalaria na cabeça das crianças uma espera para que elas também pudessem se comportar assim. Só que vir a ser homossexual é uma questão complexa. Envolve carga genética, o que a família projetou para o bebê, o acaso de suas experiências de vida, a oscilação hormonal durante e depois da gestação, enfim, é multicausal, portanto sem gatilho único. O que já sabemos é não ser da ordem da escolha.
Passei 10 anos, junto com a minha esposa, estudando os mecanismos de eficácia dos contos de fada e das histórias infantis, disto resultaram dois livros. Estou acostumado aos argumentos, que não se sustentam, do suposto perigo das histórias infantis como indutoras de "maus" comportamentos. As histórias infantis são úteis, dilatam a imaginação, dão contornos e nomes para sensações que assaltam as crianças, ajudam a representar sentimentos íntimos que elas pensam ser as únicas a ter, proporcionam um ensaio emocional para o mundo adulto. Essa é uma das portas para a diversidade da cultura humana, mas essas narrativas não conseguem, nem se quiséssemos torcê-las para tanto, modelar a sexualidade de ninguém.
Uma eventual personagem gay no mundo das histórias infantis só seria útil para alguém que já pressentisse em si algo assim, embora na infância isso muitas vezes nem esteja decidido. Seria um alívio para não se sentir diferente.