Por razões profissionais, já tive de passar pelo aeroporto de Florianópolis em cinco ocasiões desde as águas de maio. Quem o frequentava antes de 2019 lembrará do terminal acanhado, dos equipamentos envelhecidos, das lojinhas e restaurantes decadentes e do acesso sempre congestionado. Corta para 2024: entregue à concessão privada, o aeroporto de Florianópolis foi classificado pelo terceiro ano consecutivo, com muita justiça, como o melhor do país – um dos melhores do mundo, a meu ver.
Os gaúchos, se mantidos os apoios, têm plenas condições de superar a tragédia
Desde a tragédia da enchente, quando emerjo no destino final sou encarado como um sobrevivente, algo como ter saído por terra da Ucrânia para participar de um evento rotineiro no resto da Europa. O Rio Grande do Sul não acabou, trato logo de explicar. Ao contrário. A catástrofe foi, e ainda é, enorme, coisa que nunca se viu no Brasil. Falo das montanhas de entulho, das encostas feridas, das estradas e pontes destruídas, das famílias desalojadas, das centenas de carros enlameados abandonados nas ruas. Os olhos se arregalam, entre compadecidos e atônitos.
Mas também trato de fazer aos interlocutores algumas ressalvas. A primeira é valorizar o apoio, oficial e anônimo, que o resto do Brasil tem dado ao Rio Grande do Sul, em um comovente e inspirador exemplo de união em torno de um objetivo nacional. Outra é observar que, sim, estamos aprendendo com a tragédia e que o Estado deverá sair na frente na adaptação ao novo normal.
Os exemplos históricos se multiplicam. Arrasados, Alemanha e Japão do pós-guerra pularam para o topo dos países mais desenvolvidos, Israel nasceu no deserto para se converter em uma máquina de inovação e a Coreia do Sul logrou, em poucas décadas, passar de nação atrasada para locomotiva econômica. Em comum, eles tiveram foco na educação, propósitos, financiamentos bem aplicados e, sobretudo, não ficaram se lamuriando ou terceirizando responsabilidades. Em Kobe, no Japão, um terremoto matou 6,5 mil pessoas em 1995. Nas primeiras semanas após a devastação, a cidade parecia condenada. Estive lá três anos depois: Kobe estava reconstruída e muito mais preparada para futuros tremores.
Os gaúchos, explico aos interlocutores, se mantidos os apoios, também têm plenas condições de superar a tragédia e sair dela com infraestrutura pública e instalações privadas renovadas. Agora, aliás, é a hora de “comprar na baixa”, investindo-se ainda mais no Estado para fazer a colheita lá na frente. Se até o aeroporto de Florianópolis teve conserto, nada é impossível. O Rio Grande está vivo e forte e dará a volta por cima. Mas não podemos cochilar, nos desviar da rota e nos perder em futricas, coitadismos e lutas fratricidas.