Sou um entusiasta da tecnologia, a ponto de gastar horas testando programas e aplicações novas só pelo prazer de torcer o nariz para a maioria e aderir incondicionalmente a alguns poucos. Quando a internet despontou, lá pelos idos de 1995, a então editora do caderno de Informática de ZH, Sandra Pecis, me incluiu em um teste do provedor Via-RS. Tornei-me então um dos 20 usuários beta da web no Rio Grande do Sul e, na ausência de sites brasileiros, consumi uma pequena fábula do meu orçamento em conexões telefônicas a páginas dos EUA.
De lá pra cá, naveguei de Netscape, Opera, Firefox, Safari e Chrome e fiz buscas usando do Webcrawler ao indefectível Google. No momento, estou de mudança para um patinho feio que floresceu de repente, o Bing, usado no navegador Edge, da Microsoft, graças a uma menor poluição de links de anúncios, à velocidade e, sobretudo, à incorporação da inteligência artificial do ChatGPT-4, assunto aliás de uma coluna no alvorecer da novidade (Robô Esperto, de 23 de dezembro).
Embora não seja nativo digital, imagino transitar melhor que a maioria da humanidade, portanto, pelos escaninhos tecnológicos do mundo moderno. Mas estou impressionado, e assustado, com a rápida exclusão de bilhões de pessoas de um cotidiano digital que não tem misericórdia de pessoas menos familiares às artes tecnológicas e, sobretudo, daquelas alcançadas por uma idade em que já não acompanham ou processam as exigências da vida em dígitos.
Minha mãe, por exemplo, tem 86 anos e um carrinho em seu nome. Ela não dirige mais e não tem carteira de motorista digital, mas gostaria de ter a cópia física do licenciamento do IPVA. Para isso, precisaria encontrar onde baixar uma cópia no site do Detran, que, por sua vez, exige cadastramento no site do gov.br, que por sua vez, exige que ela tenha nível “prata”, que, por sua vez, exige autenticação por reconhecimento facial, uma experiência exasperante mesmo para quem tenha habilidades, ou via um banco, embora ela não tenha a menor ideia de como fazer essa operação online. O jeito é ir num CRVA, pagar a taxa e imprimir lá a cópia. O inferno do incompreensível é aqui e agora para uma multidão de excluídos – sobretudo para os que não têm quem os guie pelos labirintos digitais.
Pois então, enquanto milhares de desenvolvedores e sonhadores se reúnem em Porto Alegre no South Summit para desenhar o futuro, faço um apelo. Querem transformar o mundo e torná-lo menos desigual? Então, simplifiquem a vida de quem não habita o mesmo planeta de vocês, ou melhor, o nosso. Pensem nos velhinhos. Ou nos catadores e diaristas que não têm celular com câmera ou conta em banco e em todos aqueles que não fazem a menor ideia do que seja um token. Recepcioná-los ao novo mundo, sim, seria a verdadeira revolução digital.