Pela última edição do Numbeo, um serviço que compara cidades e países, a melhor qualidade de vida no mundo está agora em Haia, na Holanda. Entre as 245 cidades pesquisadas, Porto Alegre ficou em 192. Não há motivo para celebração, mas, pelos oito indicadores do ranking, Porto Alegre ao menos está à frente de Belgrado, São Paulo, Rio e, não sem surpresa devido à crise argentina, Buenos Aires.
Em 2021, vivi quase cinco meses em Haia e estimo ter caminhado mais de 600 quilômetros e pedalado mais de mil por suas ruas e parques. Pelo que testemunhei, Haia merece ter galgado para o primeiro lugar do ranking em qualidade de vida. Em contrapartida, Porto Alegre teria potencial para uma posição mais honrosa.
O que derruba Porto Alegre no Numbeo? Poder de compra da população, criminalidade e custo de imóveis proporcional à renda. Já clima (esqueça o verão tórrido) e custo de vida (relativo, ressalve-se) melhoram a posição. Cuidados com saúde e tempo no trânsito também não aparecem mal. Para Haia, o mundo sorri em todos os quesitos, à exceção do custo de vida.
Há, de fato, algo mais além de 10 mil quilômetros de distância entre Haia e Porto Alegre, a começar pelos fatores criminalidade e ambiente, mas sobretudo pelo transporte. Pode-se caminhar sem preocupação pelas madrugadas mais escuras de Haia e há uma profusão de parques e bosques em plena mancha urbana. Já o automóvel é um veículo para raros deslocamentos – o litro da gasolina custa o equivalente a R$ 12. A hora do rush é um congestionamento de bicicletas, onipresentes mesmo nos frequentes dias de chuva e vento.
A cosmopolita Haia exibe a melhor rede de ciclovias do planeta, que se integra a um sistema eficiente, embora dispendioso, de trens, metrô, bondes e ônibus. Pedala-se muito, mas cada vez menos, porque bicicletas e scooters elétricos já são quase maioria. É um achado: bicicletas elétricas (e triciclos elétricos para cargas) arrebanham adeptos porque são um meio de transporte individual, ágil, econômico e pouco agressivo ao ambiente.
Haia está longe da perfeição. Bairros de imigrantes evidenciam desigualdades, as moradias são escassas, caras e apertadas e o inverno é uma penumbra ventosa e úmida. Já Porto Alegre tem grandes méritos para uma reversão. A nova orla do Guaíba, por exemplo, reaproximou cidade e rio e ensina como se usufruir de espaços públicos.
Entre os desafios de sempre em segurança, transporte e saúde, seria preciso agora garantir mais e novos espaços verdes por toda a cidade - um legado inestimável para o futuro -, fazer recuar a selvageria da poluição visual e das águas e focar nas vocações das quais derivaria o grande salto para a frente da capital dos gaúchos: embalar-se de vez como um hub latino-americano em educação, saúde, cultura e esporte. Pode ser utopia, mas também é preciso sonhar.