O desfile do Dia da Vitória, todo 9 de maio, na Praça Vermelha, em Moscou, é um festim bélico. Diante do mausoléu de Lenin, milhares de militares marcham em uníssono, queixos apontados para cima, sorrisos congelados para as autoridades. Após o hiato do fim da URSS, a formidável parada foi retomada em todo o seu esplendor por Vladimir Putin, como cenografia de sua ambição por uma nova Rússia imperial.
Ao mirar suas tropas em sincronia e com poder militar aparentemente sem fim, Putin vislumbrava ali um exército invencível. Cercado de bajuladores e com a oposição silenciada, seus ouvidos só recolhiam o que queriam ouvir: o Ocidente não reagiria a uma tomada da Ucrânia, que poderia ser conquistada em uma semana. A realidade: um ano de guerra, arsenais exauridos e tropas russas em frangalhos, que gravam vídeos com pedidos de armas e munição, enquanto centenas de milhares fogem do país para não serem convocados.
O erro de Putin se instala em processos decisórios que vão de uma guerra até o cidadão que crê em fake news. O fenômeno é conhecido como viés de confirmação. Por ele, assimilam-se os argumentos e dados que comprovam uma sensação prévia, e são descartados aqueles que a contestam. O viés de confirmação arruína empresas nas quais o presidente, rodeado de executivos que temem desafiá-lo, rejeita informações desfavoráveis, e leva à bancarrota indivíduos que apostam em alguns investimentos mesmo contra todas as evidências adversas.
Querer acreditar na tese que o conforta e desmerecer as em contrário é uma atitude de arrogância que enterra nações e carreiras políticas. Saddam Hussein invadiu o Kuwait convencido de que não haveria reação de outros países. Se escondeu em um buraco no chão e acabou na ponta de uma corda. Em 1982, a junta militar argentina ocupou as Ilhas Malvinas certa de que o ex-império britânico não despacharia uma armada para defender um arquipélago gelado e remoto. Os comandantes terminaram derrubados e presos.
Por aqui mesmo, o viés de confirmação produz erros de avaliação aos borbotões graças ao uso intensivo e disseminado de redes sociais e aplicativos de mensagens. Nas bolhas digitais, muitas pessoas recebem e enviam mensagens, ou escolhem suas fontes, apenas entre quem pensa da mesma forma. Em pouco tempo, são levadas a acreditar que a sua convicção é a única verdade. Forma-se a chamada câmara de eco – mensagens com o mesmo teor ricocheteiam e voltam, em um looping constante.
Em governos, o viés de confirmação é um passo rumo ao desastre. Não raro, divergências são tratadas como traição, quando deveriam ser um método saudável de administrar. O resultado daqueles que se deixam levar pelas aparências é o isolamento da realidade, como se vê em Moscou. Viés de confirmação nunca foi um bom conselheiro.