Nas primeiras 24 horas da batalha de Verdun, em 1916, a artilharia alemã despejou 1 milhão de bombas sobre as linhas francesas. Um milhão de explosões em um dia e os alemães só avançaram poucas centenas de metros. A batalha deixou mais de 800 mil baixas e, ao fim de 10 meses de carnificina, praticamente nada se modificara no desfecho da I Guerra.
Verdun lembra a política brasileira. Todos os dias, incontáveis ataques contra adversários são disparados nas redes sociais, em uma guerra em que nada altera o quadro político. A barragem de ofensas e golpes baixos é absorvida pelo terreno de batalha digital e pouco afeta o ânimo de apoiadores de um ou outro lado. O que demonstra poder de mudar cenários e a esfriar paixões ideológicas não é a artilharia adversária: é o fogo amigo.
Os dois atuais pólos da política brasileira, representados pelo lulismo e pelo bolsonarimo, são férteis em atear fogo às próprias vestes. Bolsonaro não precisava nem de críticos. A cada vez que se entusiasmava com os fãs em seu cercadinho, soltava o verbo para dizer mais alguma sandice e comprar brigas desnecessárias – sua batalha particular contra as vacinas, por exemplo, o assombrará pela eternidade.
Já Lula, que precisa desesperadamente de apoio ao centro se quiser aprovar algo substancial no Congresso, tem no MST e na presidente do PT, Gleise Hoffmann, duas inesgotáveis baterias de fogo amigo. Ao voltar a invadir fazendas e espalhar insegurança, o MST endossa o discurso bolsonarista do “risco vermelho”, tudo de que o lulismo não precisava em seu retorno ao poder. Ao alugar os ouvidos de Lula para incendiar suas falas, Gleise cuida de afastar o discurso de centro do governo – uma estratégia similar à dos bolsonaristas para sustentar o atrito constante.
Bolsonaro encontrou no ministro Alexandre de Moraes o inimigo para manter as bases radicais mobilizadas. Lula encontrou no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o alvo para acender a ira da base à esquerda. Bolsonaro e Lula, por sinal, incorporaram argumento idêntico, o de que Moraes e Campos Neto não foram eleitos e, portanto, têm menos legitimidade que eles. Trata-se de bombardeio que só inflige danos em que o detona. No bolsonarismo, culminou com o desvario de 8 de janeiro. No lulismo, os sobressaltos represam as taxas de juros nas alturas.
Ao fim das batalhas, constata-se que são os atos e erros de quem governa, e não o palavrório adversário, que definem os altos e baixos das trajetórias políticas. Não é o bolsonarismo que incentiva o MST a brandir a ameaça de um novo “abril vermelho”. E não foi o PT que achou por bem usar estruturas do Estado para pôr as mãos em joias milionárias regaladas pela ditadura saudita. Tiros no pé, como se vê, têm de sobra.