O que é, o que é? Neste país, o presidente desdenhou dos riscos da covid, ataca sistematicamente a imprensa, desvia os militares para missões que não têm nada a ver com as das Forças Armadas, estimula o culto à personalidade e, para culminar, rejeita a autoridade eleitoral, uma das raras instituições nacionais que são reconhecidamente eficientes.
Pois é, o México vive dias difíceis. Seu presidente, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, é a demonstração na prática de que o populismo grassa vivo e forte na América Latina e que sua desenvoltura independe de origem ideológica. López Obrador, como tantos outros, se apresenta como um salvador da pátria que, seguindo o manual do populismo, gosta de se deixar fotografar cercado pelo povo, que tenta tocá-lo como se fora um semideus.
Foi assim domingo passado, por exemplo, quando uma gigantesca manifestação de apoio a AMLO ocupou a Praça Zócalo, no coração da Cidade do México. Neste mesmo lugar, em 2006, López Obrador tinha estimulado um grande acampamento de apoiadores em rejeição ao resultado que dera vitória a seu adversário nas eleições presidenciais, Felipe Calderón.
Alguma semelhança com outros países do continente? Não é por acaso. O líder mexicano é mais um político da longa lista de seguidores da cartilha de Donald Trump, com quem, aliás, tinha boa convivência. Negar a imprensa para neutralizar críticas e denúncias; criar inimigos ocultos, incentivar teorias conspiratórias e desmoralizar o sistema eleitoral, caso ameace seus planos nas urnas, fazem parte do manual, que, no caso do México, inclui chamar militares para tocar obras e promover a distribuição de assistência social, em uma inédita intervenção das Forças Armadas em negócios civis.
Egresso do maneiroso PRI, que governou o México de 1929 a 2000, López Obrador, é um espelho dos populistas de esquerda ou direita que sofrem de autoritarismo congênito, com o qual tenta desmanchar instituições que possam representar obstáculos a seus objetivos de poder, como é o caso do Instituto Nacional Eleitoral, que pôs fim a décadas de fraudes nas urnas. O ataque ao sistema eleitoral, aliás, repete a estratégia do esquerdista Daniel Ortega, na Nicarágua, que logrou mudar as regras do jogo e se transformou em ditador. A estratégia de Lopez Obrador até agora tem sustentado sua popularidade acima de 60%, em grande parte calcada na alta do petróleo e – nenhuma surpresa – em sua autodefinição de político antissistema e na imagem de pai dos pobres.
Como se vê, na América Latina a fórmula populista, à custa de manter as massas a cabresto e a classe média incendiada contra inimigos invisíveis, ainda tem muito chão pela frente.