Na primeira vez que desembarquei em Moscou, em novembro de 1991, para radiografar, como repórter de ZH, o impacto do ocaso da URSS na vida dos soviéticos, abdiquei da bolha de um hotel luxuoso e aluguei um apartamento próximo ao centro. A família, um casal de professores de economia na Universidade de Moscou e dois filhos, se mudou para o apartamento da mãe dela. Três semanas depois, entreguei à professora U$ 120 dólares, o valor combinado para o aluguel. A economista segurou as notas na mão e desatou a chorar. Devo estar sendo um maldito capitalista explorador, imaginei. Diante do meu semblante desconcertado, ela redarguiu, emocionada.
— Esse é meu primeiro negócio privado.
Dois anos mais tarde, para uma reportagem sobre o primeiro inverno no caos econômico da nova Rússia, voltei ao apartamento na companhia do fotógrafo Ricardo Chaves, e o aprendizado capitalista tinha avançado rápido: as três semanas já custavam U$ 500 – no mercado paralelo, o suficiente para alentadas provisões de importados em supermercados para estrangeiros. A nota de U$ 100 do aluguel de dois anos antes havia sido xerocada e pendurada como quadro na cozinha.
Em 30 anos, o câmbio passou de uma ficção soviética – no mercado oficial, a paridade era 1 rublo igual a 1 dólar – para flutuar livremente, medir a prosperidade de cada cidadão russo e permitir que ele sonhasse com Paris e Roma. Na primeira semana de guerra, porém, a cotação saiu de 70 para 110 rublos por dólar. As sanções que visam a implodir o rublo têm como alvo um símbolo da estabilidade. Abatê-lo derrete a moral da população e tem o poder de devolver a Rússia ao desarranjo de três décadas atrás, arrastando a imagem de Putin como salvador da pátria.
Com a moeda desmoralizada, poucas nações se aguentam de pé, como testemunhei em 1993 na antiga Iugoslávia sob sanções, quando a inflação atingiu nos primeiros 10 meses inacreditáveis 44 milhões por cento. Em um restaurante em Belgrado, o dono teve a gentileza de não reajustar o preço do jantar enquanto eu fazia a refeição. A Sérvia entrou em depressão e todo dia a embaixada do Brasil, onde a inflação chegava a já absurdos 2.500% ao ano, recebia levas de pedidos de migração.
Para conter a queda do rublo, o Banco Central russo elevou a taxa de juros para 20%, um susto para os padrões locais, e estabeleceu uma série de restrições para saída de moeda estrangeira. As próximas semanas serão definidoras. O rublo perdeu mais de um terço de seu valor desde a invasão da Ucrânia. Se não houver reversão, um quadro de inflação combinada com depressão será inevitável e, com ele, o descontentamento em relação ao governo. Sem disparar um tiro, EUA e Europa podem ter lançado uma bomba de nêutrons na economia russa.