Em um ano, a covid-19 já matou cerca de 290 mil brasileiros, nove vezes mais que o trânsito, mas as duas estatísticas guardam semelhanças trágicas. O Brasil é um dos campeões mundiais de mortes em ruas e estradas porque, no âmago da nação, impera uma cultura de irresponsabilidade e desprezo pela segurança. Na pandemia, tornamo-nos pária do mundo, e exemplo do que não deve ser feito para controlar o vírus, porque, à imprevidência e ao vácuo na liderança federal, muitos somam um permanente estado de infantil rebeldia contra a ordem coletiva.
Tomemos como exemplo as máscaras, um recurso que não exige maiores sacrifícios para prevenir o risco de contágio. Os estudos convergem para uma redução substancial de contaminação com o uso adequado de máscaras eficazes. No entanto, apesar da obrigação moral e ética, e agora legal, de se usar máscaras em cidades devastadas pela doença, ainda se vê um festival de pessoas ignorando o apetrecho ou empregando-o como secador de suor na papada.
Usar ou não máscaras, e de forma apropriada, é como dirigir um carro. Imagine um motorista de automóvel revisado, rodando em estrada segura a 80 km/h, enquanto um outro, alcoolizado na direção de um veículo com freios e pneus gastos, zune a 140 km/h numa rodovia sinuosa em noite de chuva. O que vai a 80 km/h não está imune a um acidente, mas o irresponsável que desconsidera as regras de segurança tem enorme probabilidade de frequentar as estatísticas macabras e, pela sua atitude, de matar inocentes.
No caso da covid-19, há legiões de vítimas que se cuidam e ainda assim são contaminadas, no mais das vezes como consequência de uma situação imprevista, de circunstâncias obrigatórias, como trabalhadores em serviços essenciais, ou de irresponsabilidades alheias. É aquela situação dos passageiros de um ônibus cujo motorista perde a direção e rola numa ribanceira. As vítimas presas aos assentos são resultado de descuido do motorista, de falha na manutenção do veículo ou de manobras criminosas de terceiros – ou seja, da irresponsabilidade com a vida dos outros, em última análise.
Aglomerações irresponsáveis, festas, conversas sem máscara fora do círculo íntimo familiar e uma cultura de negacionismo, individualismo e, principalmente, do egoísmo do danem-se-os-outros reforçam o coquetel sinistro que nos trouxe a essa situação catastrófica. Assim como não há polícia suficiente para vigiar cada veículo, motorista ou curva, na pandemia somente a consciência individual será capaz de criar a ordem coletiva que gerará o bem de todos. Mas é preciso, primeiro, ter consciência disso.