O assunto parece mais do que esgotado, mas seguidamente ainda nos perguntamos: como será a humanidade depois da pandemia que se arrasta e se alastra?
Não sei. Acho que ninguém sabe. Alguém quer saber ou melhor nem pensar?
Pois a pandemia, a grande Peste do século, ainda está em plena atividade ceifando centenas de milhares de vidas humanas com sua grande foice, nada dourada, mas pingando sangue e lágrimas. Alguém me diz: “Só na tua cabeça de romancista, um quadro tão horrível”.
Pois é, talvez acabemos indiferentes a tudo isso enquanto não atingir alguém próximo, pai, mãe, filho, amigo ou colega. Porque, em quantidades tão espantosas, vamos ficando calejados, o que é trágico e triste.
A Senhora Morte vai se banalizar?
Lembro minha infância encantada numa cidade do Interior, onde os sinos da igreja anunciavam para a comunidade que algum deles tinha morrido.
A impressionante memória me segue e comove até hoje quando penso: batidas espaçadas, lentas em tom grave, foi-se um adulto. Som triste e melodioso, quase musical, foi-se uma criança.
E naturalmente na comunidade todos se perguntavam, telefonavam, se entristeciam.
Eu mais me impressionava com a ideia da morte de uma criança. “Foi brincar nas nuvens com os anjinhos”, me consolavam. Éramos felizes acreditando em anjinhos fazendo cambalhotas sobre as nuvens brancas e fofas.
Não há nenhum encanto na carnificina atual, que parece que nem mesmo um país bem mais civilizado do que esta nossa pátria amada resolveu inteiramente.
E estaremos ficando escaldados? Ou brincamos por negação e medo, o que é mais provável? Outro dia comentei que não aguentava mais nas tevês as imagens de agulhas enfiadas em braços. Alguém se escandalizou: “Estão salvando vidas!”.
Tinham razão, fiquei meio constrangida. Então viva a agulhas e braços, “melhor que bundas”, comentou ainda um gaiato na sala. Ah sim, graças a Deus.
Então, às vezes, sobrecarregados de preocupação e ansiedade, brincamos com o horror da doença, do despreparo, da politicagem, das disputas, da incompetência e impotência ou desinteresse. E morre gente, e morre gente. Fora os sequelados, e as famílias, onde a dor se multiplica. Pois família é para isso também: dobradas alegrias, dobrados desgostos, dobradas preocupações, e intrigas, e amores, e bondades e pequenas maldades – porque somos tão humanos.
Talvez, voltando ao assunto inicial, vamos acabar: mais duros, frios, xenófobos e egoístas. Ou – quero ser otimista – mais cuidadosos, mais atentos, mais amigos, mais amorosos? Cuidando mais de nós mesmos, por um bom tempo ainda máscara, álcool-gel, sabonete, nada de aglomeração e apertos grupais? Medo: será que ele já teve a doença? Já foi vacinado? Mas temos vergonha de perguntar. Quanto bom afeto desperdiçado.
Esse deverá ser, talvez, o pior legado da Peste, além de mortes e sequelas: o afastamento entre pessoas que poderiam se amar.
Será assim? Nem ideia. Chato e preocupante, cansativo, e uma crônica em que não sei bem o que dizer.
Alguém sabe????