Deve parecer uma obviedade quase patética escrever sobre o Natal, mas apesar dos males atuais, dessa densa sombra que escorre sobre o mundo, ele ainda existe.
Possivelmente não como antes, de momento mais discreto, magrinho, sem tanto brilho, sem tanto amor explícito, mas talvez com muito mais amor online, ou atrás de máscaras e álcool gel. Porque o proibido é sempre tão mais delicioso.
Meio triste? Ah, sim. Mas, como disse o Dr. J.J. Camargo em seu artigo mais recente, cuidar de nós neste Natal significa termos muitos outros Natais juntos e alegres.
Minhas memórias de Natais da infância são pura magia: o crepúsculo vermelho era os fornos do céu onde os anjos preparavam os doces de Natal. E em algum lugar crescia uma árvore miraculosa, que logo se multiplicaria em nossas casas.
Nessa véspera ninguém podia entrar na sala, onde lençóis pendurados fechavam como biombos todo um recanto. Na cozinha, os biscoitos em forma de estrela com açúcar colorido em cima; adivinhar os presentes escondidos; gente da família chegando.
Vestido novo de organza, sapato de verniz, promessas de me comportar: sim sim sim... dali em diante eu seria outra. Prometo, prometo ser boazinha, prometo ser obediente, prometo não responder pra mãe, nem botar a língua, nem me esconder na hora de dormir, nem nem nem.
Por fim, na noite de Natal, um anjo dissimulado atrás dos panos alvos tocava sinetas, retiravam-se as cortinas improvisadas, e podia-se contemplar o paraíso.
Lá estava a árvore dos milagres. Nós, em torno, nem éramos pessoas: éramos anjos também.
Eu esquecia até o medo, quando muito pequena, de um Papai Noel que, para mim, chegaria não com presentes, mas com um feixe de varas...
Inesquecíveis também os Natais em casa de minha avó materna. A árvore chegava ao teto, pé-direito tão alto como se ali em cima houvesse sempre névoa. Girava solene numa pinha de ferro sobre uma caixa de música, uns discos de metal com lasquinhas levantadas tocadas por agulhas.
O som metálico em canções natalinas, o pinheiro enfeitado rodando em câmera lenta, pesado e alado ao mesmo tempo, e nós ali, tomados de beleza.
Depois havia brindes e presentes, e os adultos tomavam champanha e alguém tocava piano, todos cantavam, minha avó parecia contente com seu rebanho reunido do jeito que ela gostava.
Mas eu, mais do que meus pais e irmãozinho, tios e primos e comidas e embrulhos, via pelos cantos das salas – ou atrás das portas de vidro que se abriam para o jardim – solenes anjos com asas de tule, girando numa dança lenta.
Essa árvore, por muitos anos renovada, lançou raiz em mim: às vezes, nestes tempos de Natal, ainda brota nos meus sonhos quando, dormindo, volto àquela mesma casa onde a menina que fui mais sonhava do que vivia: e ainda a sinto em mim.