Ser leitor é uma condição que, sem rigorosa autodisciplina, exclui a possibilidade de isenção. Por uma razão muito simples: nós escolhemos o que ler. Evitamos as revistas inimigas e jamais assinamos os jornais deles. E quando não concordamos com o texto tendemos a abandoná-lo rapidamente. Existem muitas evidências de que esta seleção preconceituosa do que merece ser lido é o embrião para a chamada imunização cognitiva, uma síndrome fartamente estudada na sociedade contemporânea, em que tanta gente se apoia na fé e a partir daí boceja nesta zona amorfa e impenetrável ao raciocínio lógico.
O passo seguinte rumo à atrofia cerebral é evitar pessoas que tenham opiniões contrárias, e só ler ou ouvir as que professam dos mesmos credos.
Então, uma condição essencial para que a leitura não seja meramente lúdica e enriqueça o espírito do leitor é o acesso ao contraditório, oferecendo alternativas que podem eventualmente colocar em xeque as convicções de quem se aventurou a espiar o mundo pelas frestas da curiosidade.
Difícil saber o quanto uma onda literária foi determinante de uma revolta cultural ou uma mera consequência dela.
Numa revisão histórica, nunca fica bem claro quanto o mundo foi influenciado por alguma obra clássica, ou quanto os escritores de uma certa época se deixaram arrastar pelas tendências culturais daquele determinado período.
Nesse contexto, parece muito natural, para quem vê de fora, que criador e criatura se misturassem e, assim imiscuídos, se completassem. Difícil saber o quanto uma onda literária foi determinante de uma revolta cultural ou uma mera consequência dela.
E sempre coube aos leitores intelectualmente saudáveis saborear a literatura mais autêntica daquele momento, porque só a autenticidade assegura a permanência de um texto.
Quando começou a era da literatura pedagógica, esta que pretende orientar os leitores de como devem viver e agir nas suas vidas privadas para alcançarem um modelo teórico de felicidade, nasceu a patrulha ideológica que subestima a inteligência de quem já aprendeu que não pode haver modelos padronizados para orientar personalidades diferentes, e que, invariavelmente, os comportamentos extremos não brotam por geração espontânea, ao contrário, representam uma resposta proporcional ao passado recente.
Como assumir que possamos, em algum momento, ter errado exige uma humildade intelectual que a totalidade dos fanáticos nem imagina o que seja, estabelece-se um clima de revanche, e inicia-se assim um ciclo de irracionalidade em que cada um ouve e ecoa o que gostaria que tivesse sido dito. Para vaiar ou aplaudir. Às vezes, constrange verificar que os mais "indignados" com a situação atual não passariam incólumes por um julgamento sério que revisasse comportamentos de uma década da história recente.
Só seremos uma sociedade madura quando tratarmos a opinião alheia com respeito, e essa atitude merecer reciprocidade.
Fora disso, seremos vistos como reles baderneiros intelectuais e merecedores de censura. Essa forma humilhante de monitoramento social que não existe em países desenvolvidos, nem nos regimes totalitários, onde a repressão é intrauterina.