Os medos espiam, espreitam, na parte escura do nosso inconsciente... com os anos crescem ou se esfumam, ou nos atormentam mais (ou menos).
Os meus eram enormes na infância, que foi a um tempo cheia de encantamento e de terror. Nunca soube por que, mas acredito que nascemos mais ou menos prontos, com uma bagagem psíquica que nos define. Algumas coisas podemos melhorar, outras farão parte da nossa personalidade e vida.
Já adulta jovem, morria de medo de atravessar sozinha o corredor da casa dos pais, ou mais tarde da minha. Seguidas vezes, eu adolescente, meu irmão pequeno me dava a mão, caminhava comigo até a porta de meu quarto e morria de rir. Eu me dividia entre rir de mim mesma e continuar com medo.
Acho que com os filhos chegando me obriguei a sacudir dos ombros essas escuras asas, pois era minha vez de cuidar dos meus pequenos amados. Hoje, não tenho medo nem de fantasmagorias, porque já tenho do lado de lá tantos mortos queridos.
Hoje vivemos numa era de medos: da violência, das maldades, dos desmandos e desgovernos, do empobrecimento, das dores do mundo que chegam em nossa casa o tempo todo. Sou adepta da internet, com a qual tenho me comunicado incessantemente nesses oito meses de confinamento – que respeito com alguma secreta rebeldia de menina batendo pé, eu quero, eu quero. Porém sinto no ar, no planeta, o medo óbvio dessa doença diabólica, desse vírus, de que muitos ainda debocham, que muitos desafiam e outros muitos têm direito – e dever – de recear.
Mesmo informada de tudo, em certos dias me desanima o ficar em casa, não receber quase ninguém, até família chegando, rara, mascarada e “alcoolizada” (uma amiga me perguntou, inocente e querida: “Mas eles chegam bêbados?”).
O medo se justifica, é digno e necessário, precioso conselheiro
Sinto uma falta dos convívios normais de antes. De poder sair para almoçar no meu clube, pequeno e discreto, único que frequento, onde todos formamos uma família. De poder reunir no refúgio de Gramado, no mato, pessoas queridas, quando lá agora os vizinhos se cumprimentam acenando de longe.
Sempre fui um bicho da minha toca, uma mulher da minha casa, com meus livros, meus discos, meus amores – e por mais incrível que tenha sido a viagem, o momento de abrir a porta e chegar é sempre de uma profunda sensação de abrigo.
Estamos navegando todos nesse mar escuro, traiçoeiro, estranho, que até aos cientistas tem causado trabalho e perplexidades, e temos medo, sim. Não está em meus planos ir para uma UTI, ser entubada, enfim, não determino eu, mas me cuido, às vezes contrariada, revivendo tolamente a criança mimada que fui, mas a maioria das vezes curtindo tranquila os encontros virtuais, meus livros, minhas tintas e pincéis.
Tudo isso, tão pouco original, escrevo para dizer que o medo se justifica, é digno e necessário, precioso conselheiro, e por favor, amados leitores, amigos meus, cuidem-se. Perdoem-me, mas estes tempos de festas vão ser difíceis, intrigantes, incômodos... perigosos. Vamos inventar jeitos de amar, celebrar, sem perigo. A gente merece viver.
E viver direito.
(Sim: eu também estou me achando muito chata escrevendo isso...)