Há uma atriz que admiro muito, não diria que foi meu ídolo, mas sempre tive por ela enorme simpatia: chama-se Katharine Hepburn, e talvez a geração mais nova nem conheça.
Era uma jovem à frente de seu tempo, grande atriz, por longos anos de sua vida companheira de Spencer Tracy, os dois já falecidos, ele mais cedo, ela com quase cem anos. Admirei nela, entre tantas coisas, o humor um pouco sarcástico, a língua solta, o desprezo por convenções tolas, seu senso de amizade, seu respeito pela arte, pela vida.
Teve suas tragédias pessoais, como todo mundo. Mas comentava a inscrição sobre a lareira da casa da família, que ela herdou e onde viveu até a morte, um casarão amplo na beira do mar, em Fenwick, Connecticut. A inscrição dizia: “Listen to the song of life” (Escute a canção da vida).
Seguidamente, em tempos difíceis, lembrei disso, e comentei com alguém metido em seus próprios conflitos e dores. Porque, eu acredito nisso, a vida sempre chama, se você quiser – ou conseguir – escutar. No fundo do poço, só escutamos nossas próprias aflições ecoando nessas paredes fundas e escuras, mas aos poucos, se não formos muito mórbidos, começaremos a ouvir. Seja na pessoa de alguém, ou de um trabalho, ou da natureza, ou do lado positivo da nossa própria personalidade. E podemos reviver.
Estamos, já disse mil vezes, em tempos duros, confusos e sombrios. Nada mais é como já foi e muitas coisas jamais voltarão a ser. Não sou muito otimista quanto ao futuro da humanidade, não acho que seremos mais bonzinhos, mais amorosos, mais comunitários, mas mais ferozes, desconfiados, assustados, xenófobos e, claro, mais pobres. Radical? Não, sempre haverá claridade, mas vai ser muito difícil, sobretudo para os adultos, pois os jovens viverão seu próprio tempo, inseridos nele, seja como for. Não sou nada cética quanto à juventude. Mas quanto a nós, adultos e velhos... não sei. Aliás, quanto à velhice, Hepburn teve um comentário delicioso numa entrevista, aos 80: “Ah, eu estou muito bem... mas não peça detalhes”, e deu sua risadinha rouca.
Voltando à realidade do mundo, não sei se algum país acertou quanto a essa Peste, como acertou: quando pensávamos que alguns estavam livres, tudo piorou, e ainda pouco se sabe desse vírus diabólico, mesmo grandes cientistas têm suas perplexidades. Quando teremos vida normal, parecida com a anterior? No começo do novo ano? No meio? Nunca? Vamos nos habituar a falar, amar, estudar, trabalhar, a viver, de novas formas? Vamos ser todos mais pobres? Muito? Só incertezas.
Quando tudo parece difícil demais, chato demais (estou confinada há quase oito meses, como milhões de outros de alto risco), lembro que a canção da vida está ressoando e pode acalmar um pouco os corações mais do que justificadamente confusos e aflitos: os nossos. E seu estribilho deve ser: vai passar.