Nem sempre se pode escrever só sobre amenidades, embora, eu sei, muitos gostem de que eu escreva sobre sentimentos, emoções, relações, vida enfim.
Hoje, protesto. Discordo. Reprovo. CONDENO, sim, porque sou deste planeta, moradora de muitas décadas, guardada há sete meses numa bolha de isolamento por causa da doença que nos aflige, e por ser eu de muito alto risco, preocupada com o mundo, com meus amigos, amados, conhecidos, e com todos os meus irmãos do planeta.
Por exemplo, condeno absolutamente roubar ou desviar (a semântica não importa) dinheiro destinado a qualquer coisa, sobretudo à saúde, ainda mais nestes terríveis tempos de pandemia, sombra que se espalhou sobre nós e não dá ar de querer sair. Considero um crime qualquer desvio de dinheiro nesse sentido, pois é assassinato: alguém não recebeu remédio, cuidado, hospital, e morreu.
Protesto indignada contra a facilidade, naturalidade, com que se empregam altos custos em coisas desnecessárias, ainda que com a desculpa de cuidar dos doentes afligidos por essa Peste, que depois não são usadas. Faltam planejamento, programação, cálculo de custos e de danos, falta seriedade, sobra improviso, o ser humano parece interessar bem pouco, apesar de tanto palavrório, oh, estamos vendo, providenciando, cuidando.
Protesto, condeno as eternas brigas e picuinhas entre líderes, autoridades, partidos, não importa: estamos em guerra, não uns contra os outros, mas contra um inimigo estranho, maligno, intrigante, que deixa exaustos e perplexos os maiores cientistas da Terra.
Também protesto contra levar isso tudo na brincadeira, atribuir a sistemas, países, ideologias, partidos, tiranos e tiranetes, não faz mal: nada disso importa nestes dias em que, se morrem menos de mil em 24 horas, já nos sentimos aliviados. Vários boeings caindo por dia, e não levamos a sério, achamos máscara, distanciamento, álcool gel, um tipo de frescura, de pânico, alarme de tias velhas assustadiças fechadas no quarto. Aliás, não se fazem mais tias velhas, nem avozinhas, como antigamente, hoje, graças a Deus, todas estamos na luta, no combate, na resistência.
Sim, hoje não estou simpática, meu primeiro editor me disse, ao ler As Parceiras, quando fui assinar meu primeiro contrato, antes do tempo da internet: “Seus personagens são trágicos, mas você, com esses cândidos olhos azuis, não parece trágica”. Rimos juntos, e eu disse que, realmente, meus personagens sofrem mais do que eu, quando o livro se faz – porque eu, nessa hora, me divirto montando o quebra-cabeça das neuroses humanas.
Então, hoje, nada de olhos cândidos e doces, nada de ser romântica e boazinha: detesto, condeno, reprovo, protesto contra tudo o que possa dificultar o controle desse vírus diabólico.