Um dos problemas de conviver, em casa, no trabalho, em qualquer lugar, é a nossa impaciência com o outro.
Porque conosco mesmos em geral somos bem condescendentes: estou cansado, sobrecarregado, o patrão é um tirano, a mulher é uma chata, os filhos uns demônios, meu pai bebia, minha mãe me batia, não tenho sorte na vida... por isso tenho tolerância comigo mesmo.
Acontece que, nestes tempos confusos e às vezes assustadores, o convívio fica quase obrigatório, pois existe uma pandemia, existe uma doença que em alguns casos fica muito grave, existe a necessidade de ficar em casa junto com pessoas que, antes não sabíamos, amávamos muito ou detestávamos.
A habitual correria do cotidiano da maior parte das pessoas, a urgência do tempo, o medo do desemprego, a necessidade de competir e ser eficiente, nossa própria falta de algo que chamo de “filosofia ou sabedoria de vida” (porque não nos permitimos o tempo da reflexão), nos levam a usar a casa não como lar, refúgio, lugar de afetos e parceria, mas lugar de comer, tomar banho, dormir, brincar com o cachorro, passar a mão na cabeça dos filhos, e dar aquele beijo distraído na mulher. Atualmente, eu diria também “no marido”, porque mulheres trabalham, correm e competem, se exaurem.
Hoje temos licença de também chegar em casa com pressa, notebook na pasta, horários, compromissos, e o resto que até alguns anos atrás atormentava os homens. Porque a entrada da mulher no universo antes dito masculino trouxe consigo, além de todas as coisas positivas, como dinheiro próprio, autoestima, convívio social e de trabalho, realizações, também essa sobrecarga que muitas vezes não permite refletir, contemplar, curtir o tempo de não fazer nada além de estar com a família, as amigas, os velhos pais, ou consigo mesma – o que é essencial.
Nestes dias meio insanos, com notícias pesadas de todos os lados, e campanhas pró e contra cuidados com o vírus, além de tudo, ficamos confusos, muita contradição, muita ciência boa ou nem tanto, opiniões e sentenças sem tempo para sérios estudos científicos, que em geral levam tempo, ah, o tempo.
Estou há seis meses em casa, desço de vez em quando para a garagem, de máscara, entro no meu carro e vou para nossa casinha de Gramado, onde também fico quieta. Sinto uma enorme falta de conviver com família, netas, netos, amigas, a vidinha simples, e normalzinha, de antes. Mas me cuido porque sei que, além de ser preciso mesmo, sou de alto risco, 82 anos e enfartada. É ruim, é meio sem luz no túnel tão cedo, mas cumpro. Porque gosto de viver, em resumo. E não entro no elevador sem máscara porque também respeito os outros. De vez em quando a gente esquece, ah, a minha máscara. Por sorte, sempre tenho uma na bolsa.
Escrevo esta matéria já repetida porque em tudo há um lado positivo, ou em quase tudo. Nesse convívio forçado, talvez a gente descubra que, afinal, como algumas pessoas têm me dito, o parceiro até que é interessante, a mulher é divertida, os filhos companheiros, e a casa, por mais simples que seja, é o nosso lugar no mundo.
Quem sabe, de uma obrigação penosa, conviver se torne uma arte, ou, melhor ainda, um prazeroso aprendizado.